quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

sequência didática/ crônicas - um relato

Professora: Eliana Cris
EMEF: X / DRE São Miguel Paulista
Mês: Abril de 2010
Séries: 3º e 4º anos do ciclo II (EJA)
Disciplina: educação leitora/ Sala de leitura

Este é um relato de uma sequência didática realizada em sala de leitura, que teve como conteúdo o gênero textual crônicas, sob a orientação de Edi Fonseca, professora que nos acompanhou no curso Leitura ao pé da letra, oferecido aos OSL no decorrer desse ano.

Temos cerca de 43 exemplares de livros cujo conteúdo são crônicas. Foi sugerido aos professores e bibliotecários participantes do curso que lessem um dos vários títulos de livros com crônicas elencados no primeiro encontro. Eu li Gol de padre e outras crônicas, de Stanislaw Ponte Preta, antologia publicada pela Ática. Em nossa sala de leitura não temos nenhum dos títulos sugeridos. Esse eu o peguei no sebo Progresso (R. Cardom, 700. Vila Progresso. Fone 2155-4323). Faço questão de anotar o endereço e telefone dele porque, apesar de ter um bom acervo passa Por dificuldades para manter o espaço porque não vende muito. Encontrei lá dois exemplares e passei às minhas amigas OSL que também não tinham livros. Encontro muita coisa boa lá: A professora Maluquinha, O livro de mágica do Menino Maluquinho, Felicidade não tem cor, capitães da areia, gibis. Frankenstein (coleção grandes clássicos) para crianças e jovens, capa dura, belas ilustrações, que estou lendo para as oitavas, achei lá. Uma agente escolar veio pedir o Capitães da areia, era para a filha dela. Achei lá.
Eu já tinha lido algumas crônicas do Stanislaw quando adolescente. mas não me lembrava o quanto ele escrevia bem, não me lembrava o quanto suas crônicas são engraçadas. Na pós-graduação li Crônicas, da série princípios, da Ática e a professora até citou o Stanislaw com sendo um dos grandes cronistas brasileiros. Mas só lemos A última crônica (Fernando Sabino), cuja introdução define crônica. Lemos também o texto Rés do chão, acho que do professor Antonio Candido, como introdução de um dos livros da coleção Para gostar de ler. Lemos também uma crônica cuja estrutura, segundo a professora, lembrava um gráfico... Conto tudo isso porque para que você veja como a teoria não ajuda a sentir fome pela coisa. Explico: saber o que é uma crônica, conhecer suas características e o que faz com que as brasileiras difiram de outras produzidas lá fora, estudar sua estrutura... Não me fez de mim uma leitora de crônicas. Na escola fazemos o mesmo, dizemos o que é, lemos uma ou duas com ou para os jovens e depois propomos exercícios de interpretação e compreensão, elaborados por nós ou presentes no livro didático. Esse método, no entanto, não é capaz de suscitar no educando a curiosidade pelo gênero, a vontade de ler mais delas.
Foi pensando nisso tudo, após a leitura do livro, que me fiz rir bastante, que pensei num outro jeito de trabalhá-las com os estudantes da EJA. Escolhi esse grupo porque assim como eu, poderiam se deliciar na leitura delas, poderiam perceber que elas funcionam como um espaço de refúgio, de retiro até, no qual descansamos da aridez do cotidiano, do acúmulo de tarefas e obrigações. E não é esse o objetivo da crônica, da sua existência no jornal?
Por isso, optei por ler as crônicas O mistério, A estranha passageira (do Stanislaw, Gol de padre e outras crônicas) e A mentira (Luís Fernando Veríssimo, As mentiras que os homens contam). O mistério eu li para o 4º ano B porque estamos iniciando um projeto de pesquisa em Ciências, sobre o corpo humano e seus sistemas. Nesta crônica (uma narrativa), há um cheiro misteriosos na sala, cheiro que não sai, não importando as tentativas de limpeza. Ele riram muito ao longo da leitura (eu lia o livro e eles ouviam). Ao final surgiram os comentários mais hilários. Fiz a leitura da mesma crônica para o 4º A e 3º A e B (todos EJA) apesar de estarmos trabalhando outros temas. Todos se divertiram.
A cada semana lia uma crônica. A estranha passageira comecei a ler para o 3º B que vem para a sala com a professora de geografia. ‘Já estiveram num avião? Como devemos proceder dentro de um eu perguntei antes de iniciar a leitura. Na terceira semana eu li A mentira.
Na semana seguinte coloquei em cada mesa 5 livros de crônicas e pedi a eles que fizessem como eu ( 3º A e B), que selecionassem uma crônica que os agradassem.. Foi interessante. Buscaram as mais engraçadas, todos se envolveram na leitura para seleção, não viram como um “tem que fazer” porque já tinham tido uma primeira boa impressão desse gênero.  Estou registrando os títulos das crônicas, o nome dos livros a que pertencem e o nome de quem a selecionou, para que eles leiam para o grupo, como eu fiz.
Para uns dois garotos elétricos eu li para eles as crônicas que escolheram (isso porque não liam e ainda faziam barulho, atrapalhando os outros). Foi interessante perceber o olhar deles sobre mim enquanto eu lia. Foi um modo de eu me aproximar deles. Eu sentada ao lado deles lendo para eles, adolescentes já. Dona Maria estava sem óculos, então pediu que eu lesse a crônica A diferença entre encher e chatear. Li uma do Drummond que falava sobre a bomba atômica para outra senhora. Li outra para uma terceira senhora, do mesmo autor (do livro Criança dagora é fogo, em que crianças pequenas ligam para estranhos para ter com quem conversar). Li Homem que é homem ( do Veríssimo) para um outro rapaz que não conseguia se concentrar. Ri mais que ele. Mas acho que gostou.
Li O mistério para uma oitava regular, mas esses não tiveram a mesma reação que os adultos. Houve até quem não entendessem de onde vinha o tal cheiro. Mas sei que isso é resultado da falta de contato ou afinidade com o livro, com o gênero e também com o fato de o jovem viver muito no mundo dele. Como tenho oitavas interessadas na leitura de Frankestein e no Diário de Anne Frank, pretendo trabalhar crônicas com eles no 2º semestre.
A sugestão de leitura de crônicas me fez olhar com mais carinho para esse gênero e a criar uma sequência para trabalhar com elas. Trouxe o riso às aulas. Gostei muito.

Copos-de-leite

Quero contar-lhes uma história sobre copos-de-leite. Não muito tempo faz, dois grupos de copos-de-leite cresciam não se sabe como, num pântano, porém não muito próximos um do outro.
O primeiro grupo sofria de uma apatia perene. Ah, como gostaria de poder mudar dali. Ir para uma planície verdinha, à beira de um rio ou lago... Receber os raios de sol no cedo da manhã. Ganhar beijos afoitos do beija-flor. Sentir as cócegas que fazem as patas da joaninha. Ah, como queriam...
       O resto do tempo era a reclamar da escuridão, da lama ao redor, da cantoria irritante dos sapos, da falta que fazia não poder ser admirado ou até mesmo colhido para fazer parte de  um belo arranjo. Que vida aquela! Crescer e morrer ali, na falta do almejado.
     Aparentemente, em nada diferia o segundo grupo do primeiro. Eram de fato, da mesma família e espécie. Mas na postura, eram água e vinho. As flores deste não viviam pendidas, cabisbaixas. Suas hastes estavam rijas desde as primeiras horas da manhã. Encantava-lhes verem os raios de sol passarem por entre as copas das árvores e se derramarem muito levemente sobre o pântano. Com o sol, já vinha o canto dos pássaros a celebrar o dia, um canto aqui, outro ali, tudo harmônico e vibrante. Um canto era alto e duradouro, o outro, puro pio. Quanta diversidade no formato, nas cores e tamanhos dos pássaros e quanto entusiasmo pelo novo dia, todo dia... De onde vinha tanta alegria? Pulavam de um galho a outro atrás de insetos, uma paradinha  de quando em vez para limpar as penas...
     Os copos-de-leite do segundo grupo levavam horas observando uma nova planta brotar em meio ao lodo,  uma flor ali, o perfume d'outra acolá...Tudo lhes parecia tão mágico! É óbvio que  muitas coisas os aborreciam... Mas não se deixavam abater, estavam sempre procurando compreender.
     Certo dia, uma turma de jovens passou por ali. Eram rapazes e moças numa aventura ecológica. Calçavam tênis confortáveis e carregavam mochilas. Vinham atentos, registrando tudo com suas câmeras digitais. Duas garotas, ao avistarem os dois grupos de copos-de-leite pararam para observá-los. "Que estranho! Essa flor dá em pântanos?", comentaram. Não puderam resistir à beleza do segundo grupo: hastes verdes e fortes, copos lisos e brilhantes. A brancura e altivez destacando-se em meio às sombras do pântano.
    As meninas não puderam resistir. Sacaram seus canivetes e colheram uma porção deles para embelezar o albergue em que estavam. Ajeitaram as flores num ramalhete improvisado, atado com um lenço de uma delas e prenderam-no com muito cuidado numa das mochilas.  Seguiram.
     No fim do dia, de dentro de um vaso, os copos-de-leite olhavam maravilhados para as montanhas que ao longe, flertavam com o céu de um azul adornado de nuvens. O sol, ah, o sol. Descobriram que este era muito maior e mais belo, todo imponente, o corpo redondo e alaranjado, derramando luz ao redor. "Como era rica a vida!", pensavam encantados os copos-de-leite.