Quero contar-lhes uma história sobre copos-de-leite. Não muito tempo faz, dois grupos de copos-de-leite cresciam não se sabe como, num pântano, porém não muito próximos um do outro.
O primeiro grupo sofria de uma apatia perene. Ah, como gostaria de poder mudar dali. Ir para uma planície verdinha, à beira de um rio ou lago... Receber os raios de sol no cedo da manhã. Ganhar beijos afoitos do beija-flor. Sentir as cócegas que fazem as patas da joaninha. Ah, como queriam...
O resto do tempo era a reclamar da escuridão, da lama ao redor, da cantoria irritante dos sapos, da falta que fazia não poder ser admirado ou até mesmo colhido para fazer parte de um belo arranjo. Que vida aquela! Crescer e morrer ali, na falta do almejado.
Aparentemente, em nada diferia o segundo grupo do primeiro. Eram de fato, da mesma família e espécie. Mas na postura, eram água e vinho. As flores deste não viviam pendidas, cabisbaixas. Suas hastes estavam rijas desde as primeiras horas da manhã. Encantava-lhes verem os raios de sol passarem por entre as copas das árvores e se derramarem muito levemente sobre o pântano. Com o sol, já vinha o canto dos pássaros a celebrar o dia, um canto aqui, outro ali, tudo harmônico e vibrante. Um canto era alto e duradouro, o outro, puro pio. Quanta diversidade no formato, nas cores e tamanhos dos pássaros e quanto entusiasmo pelo novo dia, todo dia... De onde vinha tanta alegria? Pulavam de um galho a outro atrás de insetos, uma paradinha de quando em vez para limpar as penas...
Os copos-de-leite do segundo grupo levavam horas observando uma nova planta brotar em meio ao lodo, uma flor ali, o perfume d'outra acolá...Tudo lhes parecia tão mágico! É óbvio que muitas coisas os aborreciam... Mas não se deixavam abater, estavam sempre procurando compreender.
Certo dia, uma turma de jovens passou por ali. Eram rapazes e moças numa aventura ecológica. Calçavam tênis confortáveis e carregavam mochilas. Vinham atentos, registrando tudo com suas câmeras digitais. Duas garotas, ao avistarem os dois grupos de copos-de-leite pararam para observá-los. "Que estranho! Essa flor dá em pântanos?", comentaram. Não puderam resistir à beleza do segundo grupo: hastes verdes e fortes, copos lisos e brilhantes. A brancura e altivez destacando-se em meio às sombras do pântano.
As meninas não puderam resistir. Sacaram seus canivetes e colheram uma porção deles para embelezar o albergue em que estavam. Ajeitaram as flores num ramalhete improvisado, atado com um lenço de uma delas e prenderam-no com muito cuidado numa das mochilas. Seguiram.
No fim do dia, de dentro de um vaso, os copos-de-leite olhavam maravilhados para as montanhas que ao longe, flertavam com o céu de um azul adornado de nuvens. O sol, ah, o sol. Descobriram que este era muito maior e mais belo, todo imponente, o corpo redondo e alaranjado, derramando luz ao redor. "Como era rica a vida!", pensavam encantados os copos-de-leite.
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