As crianças sentem um misto de medo e de atração irresistível por esse
livro, uma bela narrativa africana trazida até nós pelo Rogério Andrade Barbosa,
que por ter ido trabalhar na África como voluntário acabou bebendo da fonte
riquíssima e inesgotável das narrativas africanas.
O velho sábio da aldeia está à morte. Todos os esforços para curá-lo
foram em vão. A
comunidade se prepara para despedir-se dele. Mas o velho não quer ir ainda. Ele
sabe que não precisa ir agora. Tem uma velha conhecida que pode curá-lo. O
problema é que ela é uma cobra gigante, uma Píton centenária e assustadora, que
fala a língua antiga e que mora numa longínqua caverna. Quem poderá ir buscá-la
se o povo treme só de ouvir falar dela?
O velho pede então que sejam chamados os guerreiros da aldeia, os homens
mais fortes e valentes. Os homens atendem ao chamado do velho e de posse de
suas orientações, presentear a cobra curandeira com bebida fermentada de milho
e cantar o canto sagrado na entrada da caverna (que o velho os ensina momentos
antes de partirem) vão em busca da cura. Atravessam o terreno da aldeia,
atravessam os campos cultivados, atravessam a floresta, atravessam o rio
infestado de crocodilos. Passam sob as quedas dágua, sobem a montanha e
finalmente chegam à entrada da caverna, morada da Píton. Ela, que dormia, é
acordada pelo canto dos homens: Nyangara Chena, Nyangara Chena. O primeiro do
grupo tem nas mãos um vaso cheio da bebida preferida da serpente.
Mas, quando a víbora abre seus olhos, quando estes começam a brilhar em meio
a escuridão da caverna, quando a imensa cabeça coberta de escamas da cobra se
levanta e sua língua bipartida começa a ensaiar uma dança no ar, nem o mais
bravo homem se mantém de pé. Descem a montanha aterrorizados. E a cobra volta a
dormir.
De volta a aldeia, os homens admitem envergonhados que vencidos pelo medo
não puderam trazer consigo a cobra. E o chefe moribundo dá adeus à vida.
É nesse ponto da narrativa que o papel de destaque é dado às crianças, e
que justamente aquelas qualidades que os adultos mais costumam lastimar nelas
se tornam as virtudes delas: de curiosas que são tinham ouvido toda a conversa
do velho com os guerreiros, então sabiam o que deviam levar, o que deviam
cantar, por onde deviam seguir.
Pedem permissão ao velho e saem em busca da cobra. O ponto alto da
narrativa é quando ao chegarem à caverna, sentem todo o medo que é possível
sentir diante de uma cobra gigante, falante, que os enumera em língua antiga
para em seguida subir em suas costas. E é com medo que as vinte crianças descem
a montanha e fazem todo o percurso de volta com a cobra nas costas, lambendo a
bebida saborosa, porque sabem que se falharem o chefe da aldeia morrerá... São
20 crianças a atravessarem o terreiro, observados pelos moradores aterrorizados.
A cobra como é que cura? Lambendo o chefe. (Neste ponto as crianças que ouvem a
narrativa ficam enojadas). Após a última lambida, ela desliza pelo chão em
direção aos campos. Como recompensa as crianças recebem do chefe cheio de novo
vigor um boi, com a expressa ordem de não dividi-lo com os guerreiros.
Excelente opção de leitura para as crianças já cansadas das tão batidas
estórias ocidentais, os contos de fadas. Ou para aqueles meninos que pedem
“livro de terror” ou para aqueles meninos que não gostam de ler. Depois de
ouvir a leitura feita por um adulto é quase certo que pedirão o livro para
lerem eles mesmos.