Foi por ter lido
Balzac e a costureirinha chinesa que cheguei a este ao qual agora resenho.
Receosa no início, preocupada com a linguagem do autor e com a possibilidade de
não ir até o fim da leitura, já que tão distantes no tempo eu e ele, qual não
foi minha surpresa ao ver-me enredada no texto. Eu literalmente o devorei em
vinte e quatro horas. Era início do meu período de férias e eu me revesei entre
os afazeres da casa, os cuidados com o corpo e a leitura. Esse tempo, que eu
costumo deixar esvair entre os bate-papos descomprometidos com os amigos e os
passeios aleatórios, bem como os programas televisivos esvaziados de conteúdo,
nos quais me deixo prender por não ter o que fazer ou por estar no tempo do não
querer se comprometer com nada, dediquei-o a Balzac, a Eugenie e ao pai
Grandet. Não sei dizer por que, mas não
notei os longos trechos descritivos que costumam atribuir a sua obra, se
existem nesse livro eu não notei.
Quer dizer,
notei sim, mas não com a carga negativa que se costuma atribuir aos romances
com longos trechos descritivos. Balzac não descreve para preencher o espaço
entre uma cena tensa e outra que tal, ele não descreve para alongar seus
romances, fazê-los mais volumosos. Ou seja, a descrição construída por Balzac e
também por Vitor Hugo não são trechos do livro que funcionem como adendos,
adereços dos quais se pode abrir mão, pulando páginas em busca dos trechos
propriamente narrativos, que o leitor identifica como os diálogos entre o s
personagens. Para esses autores a descrição é constitutiva do texto, da
estória. Abrir mão dela é abrir mão da compreensão do que há por trás da
estória, dos seus sentidos, da suas intenções. A verdade é que me senti
encantada com a caracterização do capitalista daquele tempo, das artimanhas
para se dar bem em transações, dos sacrifícios a que submeteu a si mesmo e a
filha, da completa ausência de outros valores que não o dinheiro. E a
descrição, no caso desse romance, vem tão colada à ação, vem tão impregnada de
realidade, é tão bem construída, que funciona como uma lente ou uma câmera que
vai auxiliando o leitor a ‘ver’ as cenas, as pessoas, o tempo, os valores, os
sentimentos, a atmosfera, os cheiros.
Verdade que há
características do movimento literário conhecido como romantismo nesse texto e
nesse sentido pode-se perceber a coerência entre texto e momento nele
retratado, o da insurgência da burguesia, tempo de confluência e de confronto
de valores, visões de mundo e de identidades. Uma obra prima.
Se eu não tivesse lido Pai rico, pai pobre
teria visto o pai Grandet apenas como uma pessoa má, quando na verdade o que se
tem é um retrato da emergência da burguesia européia, que desprovida de um
nome, de um título de nobreza, vale-se do trabalho árduo associado às
transações financeiras. O contraste entre os valores de pai e filha, aquele
obstinado e intransigente, aquela frágil e romântica, submissa aos mandos do
pai (o que podia uma mulher num mundo gerido pelos homens foi uma questão a que
poucas mulheres puderam, quiseram ou se empenharam em responder), condenada a
uma vida solitária e resignada, embora não desistisse dos seus valores,
francamente em decadência naqueles tempos, como a lealdade, a crença no amor, a
prática da caridade, o desapego aos bens financeiros.
E ironia das
ironias, nem por isso menos querida por seus leitores. É como se quem lesse sua
estória desse conta de que, embora viva também num mundo gerido belo valor
maior dos bens em detrimento dos princípios, percebe-se não só identificado com
a heroína, na sua solidão frente aos costumes, na sua busca de refúgio na
religiosidade, mas também, ao se ver refletido nela, se desse conta de que
também pode e deve resistir, seja na
busca pela liberdade de escolha, seja no apego ainda mais feroz e
comprometido com um ideal de mundo em que acredita.
Foi assim com a
costureirinha. Ler Balzac fez dela uma mulher, dona de seu destino e não mais
uma sombra colada á parede da proteção do pai, do namorado e do amigo. Na
assunção de uma solidão corajosa ( quem teria coragem de descer sozinha a
montanha a caminho de um centro urbano impregnado pelo autoritarismo da
Revolução Comunista?), coragem baseada não no desconhecimento do que a
aguardava, mas na certeza de querer um outro destino que não aquele que lhe
ofereciam.
Eugenie Grandet
e Balzac e a costureirinha chinesa. Leituras indispensáveis para toda mulher e
moça.
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