sábado, 6 de outubro de 2012

Cartas de um escritor


Quando admiramos um escritor é natural querer conhecê-lo, tê-lo por perto não uma, mas várias vezes, tornar-se amigo dele,beber da sua experiência, saber de suas leituras preferidas e por que considera este ou aquele livro uma obra ímpar.Se é o que sente por Mario Vargas Llosa, ou não tenha lido nada dele, mas deseja saber o que ele tem a dizer a quem deseja tornar-se escritor, dedique algumas horas do seu tempo à leitura desse pequeno livrinho ( Cartas a um jovem escritor).

Escrito no formato epistolar,cujo objetivo é orientar quem deseja tornar-se escritor ou escritora, é um achado também para quem ama ou ensina literatura no ensino médio e mesmo na graduação e quer saber o que há por trás de um Dom Quixote, de um Madame Bovary, de O sol também se levanta, os contos de Cortázar, Moby Dick e tantas outras obras, que o autor vai citando ao longo das cartas que escreve, imagino, a um amigo fictício que lhe pede conselhos sobre escrita literária. Em tom coloquial e explicitamente pedagógico, é um deleite para quem lê, senti-me como uma bisbilhoteira ao ler cartas que não me foram endereçadas, mas que tanto contribuiram para abrir meus olhos quanto aos recursos ou técnicas tais como o ponto de vista do narrador,  do espaço,  do nível de realidade,as omissões intencionais e seus efeitos nas narrativas,e outros recursos de que se valem os bons escritores. Cheguei a sentir repulsa pelas definições tão pobres a que tive acesso quando aluna do ensino médio e do curso de Letras. As informações constantes nesse livro são apaixonantes, deu vontade de largar o livro por diversas vezes para sair à caça dos livros de Faulkner, dos contos de Hemingway, Orlando de Woolf, textos que não li e que ao serem citados como exemplificação deste ou daquele recurso tratados em cada carta, fez-me querer lê-los.

Talvez seja porque ele seja uma apaixonado pela literatura, talvez seja porque é um exímio professor de literatura, seja o que for, o livro vale por um curso de teoria literária. Imperdível.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

O Gildo que eu namorei era mais bonito...

A segunda A é de arrepiar. A rima não é proposital, é fruto da verdade minha. Última aula de quinta-feira, numa biblioteca abafada. Eles chegam falando alto, J. já vem com os braços estendidos, querendo mexer no interruptor de luz e nos deixar às escuras. F. rola pelo chão. J. P. entra correndo. E eu digo a eles que vou me transformar em bruxa. Eles me olham com uns olhos muito abertos e brilhantes. Toda aula tenho de retomar os combinados, toda aula coloco música clássica ou new age por uns cinco minutos, com a luz apagada. Para que eles se aquietem, para que eu respire. Contar histórias ou ler em voz alta para eles é um desafio. Uma vez levei balas. Pensei: " Enquanto mastigam eu leio." Nem sombra. As balas sumiram nem bem descascadas. E levar a leitura do livro Porcolino e mamãe até o fim foi uma verdadeira saga. Teve quem dissesse: " Toda hora ele fala isso!" para quando eu lia "Mamãe!"( era o porquinho chamando pela mãe e se recusando a  brincar com as outras famílias de animais).

Hoje, meninas da quarta-série foram falar de suas leituras para eles, então eu só pensava em como mantê-los quietos durante a apresentação delas. Mas eis que um dos garotinhos da turma me chega com o livro Gildo, que ele ganhou na sacolinha ( Minha Biblioteca) e me diz: Lê pra nós?"

Que fazer? Apaguei a luz. Iluminei o livro com a lanterna, mudei a entonação de voz aqui e ali, ora baixo, ora alto, fiz a voz do Gildo, fiz gracejos ( "Eu namorei um rapaz chamado Gildo, mas ele era mais bonito que esse do livro" ou "O pai dele é mais bonitinho, olha a gravata dele, parece ser inteligente com esses óculos"ou "Olha aqui, é uma sala de aula, umas crianças tão feinhas, parecem vocês) Uns riram, outros torceram o nariz, outros ainda vieram tocar o livro: "Deixa eu ver", "Lê o que está escrito no balão" As crianças são verdadeiramente umas criaturinhas muito interessantes. Mas quase nos põem loucos quando andam em bandos.


O livro do Gildo é uma graça. Ele é um elefante que tem medo de bexigas. Os temores das crianças tratado com delicadeza e humor. E com letra bastão, para que os filhotes de gente possam ler sozinhos.

Trolls go home!


Que relação pode haver entre um infantojuvenil sobre trolls e um conto de Kafka? Você que me lê pode achar pouco provável, já que os contos dele costumam ser densos,tão naturalmente capazes de revelar nossas feridas ou inquietações mais insuspeitas, incrustadas lá no fundo dos nossos subconscientes, que vez por outra fisga sem que a gente saiba nomear a dor( essa ojeriza pelo que nos difere).Impossível continuar impassível depois da leitura de qualquer um dos seus textos, mesmo os mais pequeninos contos, que me soam fantásticos não por descortinar o natural em nossas vidas, mas as forças internas e externas quanto às quais, na maioria das vezes,nada podemos, e que invariavelmente nos põem a perder.

Trolls na vizinhança é permeado por um humor leve e irônico, que resulta justamente da naturalidade com que os comportamentos dos personagens são descritos. Uma família de trolls sofre horrores ao tentar se adaptar  à civilidade: morar em casas, vestir roupas, comer comida enlatada, comprar em supermercados, frequentar escola,não poder urrar no metrô, ter que habitar em local livre de cheiros e lama... o garoto parece ser o que mais sofre, na escola.Há a inversão dos papéis - os trolls é que são as vítimas, embora os humanos se vejam o tempo todo ou incomodados ou ameaçados pela sua presença em nada ofensiva, a não ser pelos seus hábitos e aparência. Esse enredo não o faz lembrar da situação dos imigrantes nos países da zona do euro? Poi é... foi esta temática que me avivou na mente o Comunidade, conto kafkaniano no qual um estranho faz de tudo para ser aceito num grupo de cinco companheiros, sem sucesso.

Trolls na vizinhança, publicado pela Farol ( grupo DCL)e escrito por Alan MacDonald terá final diverso do que estamos acostumados a ver nas páginas da História e do conto de Kafka? Você terá de ler para descobrir. Ideal para crianças a partir dos 9,10 anos, que costumam fugir de livros de mais de 124 páginas, mas que, se tiverem pais ou mestres interessados em iniciá-los na aventura da leitura de textos inteligentes terão uma rica experiência.

O título, se traduzido do original, seria Trolls, vão para casa! O que já daria uma ideia de como estes seriam recebidos. O título da edição brasileira é ambiguo e acho que perde um pouco da força... Fiquei desapontada por não encontrar nem uma nota breve sobre o autor e confesso tê-lo confundido com outro escritor de mesmo sobrenome. Quem é ele, onde vive, por que escreve, como surgiu a ideia da escrita do livro( que sei fazer parte de uma série, vi um outro chamado Torta de bode nas sacolinhas Minha Biblioteca, distribuídas para os estudantes do ensino fundamental). Acho interessante saber um pouco que seja sobre a pessoa por trás do livro. Terei de pesquisar na internet. Mesmo aqui, no Skoob, não vi resenhas dele,o que é uma pena.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Por que a formação de leitores é uma questão pública



Da leitura do Livro Os jovens e a leitura

A leitura desse livro, a mais rápida deste ano, (fi-la em três dias, não porque não seja boa leitora, mas porque ando muito atarefada escrevendo projetos), foi bastante impactante, porque me ajudou a ressignificar meu papel na sala de leitura em que trabalho. A busca pela identidade desse fazer e desse espaço, qual a importância dele nas vidas dos que o frequentam, o questionamento das metodologias empregadas, essas algumas das questões que foram brotando enquanto lia as conferências nele constantes. 

O tom de relato, os depoimentos dos jovens, a descrição das bibliotecas e mediatecas na França ( que tive o prazer de visitar quando ainda graduanda em Letras) me foram como um despertar de consciência, perceber como as sl e as escolas em que estão inseridas passam ao largo do papel da leitura e do livro na vida das crianças e jovens, principalmente daqueles espaços educativos das periferias. Fiquei tão impactada que já efetuei algumas mudanças em minhas práticas, também mudei meu olhar para com os meninos de sétima série que se recusam a ler ( um dos capítulos é justamente sobre o medo de ler, muito esclarecedor). Estou empenhada em achar caminhos, apesar da clareza que tenho que o formato do atendimento - em massa, cada professor recebe 24 salas por semana e inevitavelmente acaba dando aulas de leitura e não propriamente formando leitores, seja pelo grande número de crianças, jovens e séries que atende- eu por exemplo tenho primeiras, segundas, terceiras, quartas e sétimas - além da manutenção do espaço, tombamento de livros etc.,seja pelas concepções de ensino de leitura e de trabalho com literatura, que ainda impregnam nosso imaginário, são obstáculos relevantes.

Livro imperdível para quem ama livros, bibliotecas,jovens e trabalha com eles.