quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Necessidades

Estava sentada na sala dos professores, era o intervalo e descansávamos os nossos 15 minutos. Foi quando ouvi de três professores, dois jovens recém-chegados e outra já há anos na sala de aula, que dar aula muito tempo para a quinta série emburrece, que é por isso que se deve dar aulas também no Ensino Médio.

Fiquei  surpresa, triste e preocupada. Estava claro para mim que para eles só o que nos cabe saber é o conteúdo a ser ensinado. Só que esta era a ideia que permeava a escola que tinha a si mesma como centro. As pesquisas do ramo da psicologia, da linguística, das neurociências, entre outras, têm nos mostrado que há todo um grupo de conhecimentos dos quais devemos nos apropriar para melhor ensinar. Não se trata somente do conteúdo, embora o conhecimento dele seja necessário, mas de saber como a criança, como o adolescente e o adulto aprendem, quais elementos estão implicados no processo de apreensão do conhecimento por eles. Que não se trata de passar conteúdos, que nunca apreendemos o objeto na sua inteireza, mas a partir do que sabemos e somos.


Pensei logo no capítulo três do livro O construtivismo na sala de aula, que trata dos saberes prévios, da base, dos esquemas de conhecimento...). Pensei também na importância de se ter um coordenador que conheça estas teorias, para que possa ir compartilhando desses saberes com sua equipe.




quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

fotógrafo de guerra


"Quando em guerra, as normas civilizatórias ficam em suspenso. Eu sou a voz para o mundo exterior."

    Kosovo


Um homem sozinho entre as ruínas;

Uma mãe chora a morte do filho. perde as forças. Outras mulheres, todas chorosas, amparam-na;

12 corpos numa vala comum;

Um menino nos seus 10 anos nu numa cama, as pernas amputadas;

Corpos lado a lado no chão, todos cobertos. Os repórteres mantêm lenços sobre o nariz; dois meninos se aproximam  com pequenas flores nas mãos, os grandes recuam para que eles possam render uma última homenagem aos que foram abatidos;

Mulheres gritam e se contorcem de dor ao saberem dos familiares mortos;

Uma senhora é auxiliada por homens taciturnos a descer da carroceria de uma caminhonete. Quando vê a casa em ruínas ela leva a mão à boca para conter os soluços;



Ruanda

Corpos por toda parte. Queimados.

Facões aos montes;

Nos campos de refugiados, gente morrendo;

vomitando;

Filas sem fim dos que esperam entrar no mesmo campo;

Cólera, fome, doença e morte;



Indonésia



Há pobreza na Indonésia;

há quem more entre os trilhos na Indonésia;

vieram dos campos a procura de uma vida melhor,

e agora dormem ao relento.

Trens passam a poucos centímetros das mulheres que preparam a sua comida;

Eles trabalham.

Porque não podem pagar o aluguel de uma moradia,

vivem em pequenos barracos improvisados .

E dormem com o barulho dos trens sobre os trilhos.


Um homem mendiga nas ruas da Indonésia;

faltam-lhe uma perna e um braço;

Um trem os levou quando ele voltava bêbado

para casa.

Casa?

Ele vive com a mulher e os quatro filhos

entre os trilhos da Indonésia.

Ele fuma um cigarro,

enquanto as crianças brincam na esteira sobre as pedras.





Como as pessoas são capazes de fazer isso umas com as outras?





(do documentário sobre o repórter fotográfico Nachatwey e de sua opção profissional, a de mostrar ao mundo os seus horrores.  Exibido pela tevê Cultura em 21/02/12)







terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

O porquê de eu ter desistido dele

Houve alguém que eu mais amei. Nossa, como eu gostava dele. Quase tudo nele me agradava. Ele era engraçado, inteligente, sensível, carinhos com todos ( bichos de estima, mãe, irmãos, amigos) Comigo também.
Ele amava passear pela cidade. Com ele não se tinha a preocupação de se saber para onde ir. Estava sempre pesquisando sobre shows, eventos, exposições, peças de teatro.

Escrevia música, até banda teve. Na sala da casa dele tem um piano. "E daí", você deve estar pensando. Só que moramos no extremo leste da cidade de São Paulo e aqui a probabilidade de alguém ter um piano na sala da casa é a mesma de eu vir a falar russo. Pouquíssimas.

Na primeira vez que saímos, tocava ópera no carro dele. Eu sabia que era pra me impressionar, as pessoas me acham inteligente e ele deve ter achado que ópera contaria pontos. Mas onde é que ele foi achar ópera em alemão? Todo mundo sabe que a Alemanha é conhecida pelos seus filósofos, ópera não é lá muito a cara desse país. Pois ele tinha um CD de ópera alemã.


Ele era assim meio estranho, meio diferente, meio excêntrico.... E eu gostava muito dele.

Só que ele era muito econômico. Abria mão de um cd, de um filme, um passeio, o que quer que fosse, por melhor que fosse a qualidade, se julgasse o preço muito alto.

Eu, se gostar do objeto pago o que for desde que possa  e que não violente meus princípios. Gasto 70, 100 reais em livros sem pestanejar. ( porque me agregam saber, fazem de mim uma profissional e uma cidadã mais esclarecida). Pago 30 ou 40 num DVD sem hesitar. E é com satisfação que desembolso 100 ou 200 numa bolsa ou sandália. Pago à vista ou no cartão, porque me deixam bonita.

Para você que me achou gastona, já explico;


 Penso que o valor dos objetos não se resume a dinheiro. Tem mais a ver com o conteúdo dele. Um dvd ou cd do Secret Garden, da Sarah Brightman, do Andrea Bucelli, do Oliver Shanti and friends me são inestimáveis. Ele me falava de o porquê de os cds terem código de barra, que a questão comercial era forte e que preferia ir aos shows. Eu nem dava atenção. Graças a Deus pelos cds e dvds. Pra ver a Sarah eu e uma amiga pagamos 150 reais cada, isso em 2009. E ficamos lá no alto, ela pequenina no palco de uma casa de shows em Santo Amaro. Atravessamos a cidade ( ainda bem que minha amiga dirigia). Chegamos em casa já era madrugada e tínhamos que estar 7 horas da manhã na escola. Foi uma das melhores coisas que fiz na minha vida. Ela estava ali não tão perto de mim, mas perto. E falou algumas coisas em português, e cantou algumas das canções dela que eu mais gosto e que me encheram os olhos de lágrimas. Saímos de lá nas nuvens. Isso não tem preço. Se eu o tivesse convidado ele teria ido? Acho difícil. Nem cogitei. Fui com uma amiga.

Ouvi-los e vê-los me encanta a cada vez. Valem muito mais  do que os trocados que os lojistas pedem. A tal quantia, eu a ganharei novamente com o meu trabalho. Para que serve o dinheiro senão para a satisfação de nossas necessidades? Eu necessito de beleza.



Mas não pago as mesmas quantias se descubro ser o produto resultante de trabalho escravo.Certo tênis, cuja propaganda é feita por gente famosa, apesar da qualidade e da beleza não compro nem amarrada. Porque meus valores são outros.

Não estou dizendo que o belo tenha de ser caro. Quem se dedica a pesquisar acha preços ótimos já que os valores cobrados estão inchados de cobiça e de impostos.

Sei de alguns lugares cujos preços são mais em conta e é com eles que me supro de livros, filmes e músicas.O tempo da pesquisa eu gasto lendo, escrevendo, dormindo, caminhando, sentada na grama dos parques da cidade, sob as árvores.

Para você que me acha simplória, também me explico.

Há quem pague, 400 ou 500  numa bolsa. No entanto, essa quantia é quase um  1/5 do salário de um professor da cidade de São Paulo. No nosso caso, não me parece sadio gastar tanto numa bolsa. E é também quase que um salário mínimo, é quase  que obceno. Uma bolsa custando o que é pago por mês aos aposentados e pensionistas? Eu não conseguiria.


Quando saímos ele fez questão de pagar a conta. Mas eu insisti em pagar minha parte, porque ele reclamava das quantias apontadas pelo impostômetro. Eu não dizia nada. Mas pensava comigo que sem impostos como manter a cidade. O que precisa ser repensado é o gasto que se faz com essas somas, é a falta de sabedoria nossa na hora de votar, mania brasileira de escolher político desonesto, que não sabe ser agente público, que não honra o nome do pai e da mãe que carregam ( se bem que muitos aprenderam foi com os pais.. Mas então era o caso de ensinarem os pais a serem gente de bem.)  e sendo eu e ele professores, ganharíamos mais esclarecendo as futuras gerações que reclamando.

Quando ele me disse que não pagaria 10 reais na entrada do cinema vi que a gente não tinha futuro. Veja, nós professores pagamos metade da entrada e ele achava muito... Eu amo cinema. A sala escura a tela enorme, o filme meio que engole a gente, dependendo da qualidade da fita você só se lembra de quem é quando a história termina. Tenho lembranças tão doces do cinema. Da Irleide de olhos marejados ao lembrar do pai quando assistíamos Inteligência Artificial ( a do menino robô que queria uma mãe, lembra?) É baseado num dos contos de um livro de ficção científica, temos na escola. Toda vez que olho para o robô da capa eu lembro do amor da Irleide pelo pai dela.

 Lembro quando levei meu irmão e minha prima para assistirmos a segunda Parte de O senhor dos anéis. Na primeira,  Gandalf lutou com o demônio que ele tanto temera. Aquela imagem enorme e a música, que é explêndida. Quando ele bateu o bastão no chão e gritou para o demônio muito maior que ele:. "Você não vai passar!"( em inglês é mais intenso) e mandou que os amigos fugissem... Eu achei aquilo de uma coragem e nobreza! Mas ele caiu com o monstro e eu saí da sala triste. Um ano depois eu louca pra saber do Gandalf. E levei os adolescentes da casa.


Amei vê-lo já nas primeiras cenas derrotando o tal demônio e se transformando num mago branco. Ao vencer seus medos ele se elevou. Eu vejo um valor nisso que ninguém faz ideia. Os meninos tomaram refrigerante, comeram pipoca com manteiga. E eu também. Que coisa boa! Depois comprei o livro O Robbit. A minha prima, de 16 anos, que nunca lera livro algum o devorou em poucos dias. Horas sentada com o livro azul no colo. Eu deveria ter tirado uma foto, para mostrar para ela que hoje é mulher adulta e mãe.


Acabei me distanciando dele. Dinheiro é uma questão relevante num relacionamento. E se eu dissesse que planejo ir  a Paris? Que quero fazer o caminho de Compostela? Acho que não teria a sua companhia. E o melhor da vida é poder compartilhar esses momentos com quem amamos. Comecei a achar que não seria assim conosco. Então pra que ficarmos juntos?

















 sei que é no centro velho da cidade. Eu tinha 

A subjetividade da beleza

Hoje acordei com vontade de pôr o meu vestido verde.  Está fazendo muito calor por aqui. Ele é bem feminino e confortável, de malha. Tem umas pedrinhas delicadas abaixo do decote, numa faixa que marca a cintura, depois se abre em pano solto e leve. Ando e sinto a saia do vestido dançar ao meu redor. É uma sensação muito boa.

Mas quase não o visto. Há dois verões ele fica guardado no meu guarda-roupa. Estou mais gordinha porque parei de correr e estou comendo à noite. Então já não fico mais tão bonita nele.

O que é beleza? Não será a vontade e depois a satisfação de se sentir feminina num vestido, de se vestir o que se quer? Este medo do olhar do outro faz com que a gente não se sinta belo. Que pena!

Por que meu corpo tem de ser como o das modelos, cantoras ou atrizes que passam 2 horas por dia na academia?
A minha rotina é outra. Trabalho sessenta horas por semana. Com crianças. Numa escola. Eu sou professora. Adoro a companhia delas. São alegres, cheias de energia, profundamente generosas com os animais ou com alguém em dificuldade. Se alguém vem sem o lanche, está sem material de artes ou machucado eles se mobilizam de imediato. Não precisam do apelo da tevê, não precisam de imagens chocantes para se  comoverem. São humanas. Tem lugar e companhia melhores para se estar?

Eu caminho, não como carne vermelha, bebo água, embora ainda não o suficiente. Como frutas, legumes e saladas. Gosto de soja e de arroz integral. Mas não é todo dia que dá para comer comida fresquinha.

À noite, cuido das plantas, dos bichos de estima, de mim. Leio, escrevo, converso ao telefone com os amados e amadas, vejo tevê, cuido da casa, durmo.

Estou bem. Estou saudável. Então por que não posso pôr meu vestido verde? Quem me vir, irá perceber que estou com barriguinha, com o que chamam de gordura localizada. Chamarei de excesso de gostosura.
 Tiro o vestido do guarda-roupa.Tomo banho. Passo Veet nas pernas. Enquanto age,  penteio os cabelos, escovo os dentes. Enxáguo as pernas, ficaram lisinhas. Me enxugo e vou  pro quarto me perfumar e me vestir. Coloco o meu vestido. Me sinto bonita.




















segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Do que o câncer da Maria Célia me ensinou

Quando soube do porquê de suas dores nas pernas e costas, entristeci como não há muito tempo. Ela, eu conhecia desde 1999. Ficamos mais próximas quando trabalhamos no mesmo horário, dando aulas de Língua Portuguesa para a EJA. Ela era bem mais experiente do que eu, já há tempos também no ensino médio. Eu sempre trabalhei com os pequenos e quando muito com a molecadinha do 5º ao 8º ano. Lembro que ela ria de mim, por causa do meu jeito muito calmo, gentil e educado de falar com os educandos. Que eu fosse mais fria ou impessoal, senão correria o risco de não ser levada a sério. Eu explicava a ela que aquele se tornara o meu jeito de ser e que sabia ser firme se necessário.

O tempo passou e a gente foi se conhecendo mais. Ela dizia trechos dos livros do Saramago de cor. Eu era mais de discutir as ideias do texto. Ela se amava, não importava a idade. Eu muito prudente. Ela adorava cerveja. Eu não suporto o cheiro. Eu muito séria. Ela muito alegre, fazia piada de tudo. Como era bom sentar-se perto dela! Cinco minutos depois ela debochava de algo e caíamos nas risadas. Eu meio quixotesca, acreditando na competência dos alunos e na possibilidade da melhoria da educação em nosso país. Para ela eu era só uma menina de que ela gostava.

Pena não termos saído mais. Mas eram tantas as aulas! E a minha mania de recolhimento depois que minha mãe querida morreu de câncer. Também porque cuido de muita gente no trabalho: escuto as histórias, dou atenção, compartilho o que sei, o que planejei. Eu me dedico muito, porque gosto, porque sou apaixonada pelo conhecimento.

Eu deveria ter dado mais atenção a Maria Célia. Uma vez convidei-a para escrevermos um livro. Ela tirou de uma pasta esquecida uns contos dela. Eu escrevi e resgatei os meus.  Era um tal de ela ler os meus e eu ler os dela. Quando uns 10 contos prontos, imprimimos. Eu cheia de receio, mas ela, ela foi dando pros amigos ler. Combinamos de pagar pela publicação. Mas nunca o fizemos.

A Maria Célia era de uma generosidade incomum. Única pós-graduada na família, ajudava financeiramente a todos. O ex-marido, depois que teve derrame, ela o levou para casa dela e cuidou dele. Para a sobrinha que tinha problemas com drogas ela fez tudo o que podia. Mas a menina não se recuperou. O filho desta garota, foi ela que cuidou durante a operação cardíaca. A Maria Célia era uma guerreira. Eu não.


Quando soube, vi voltar à minha mente todo o sofrimento da minha mãe. As dores, o emagrecimento, as noites gemendo, o corpo fraco, a pele muito branca. Tantos remédios. O câncer de minha mãe estava muito avançado, não havia muito o que fazer. Eu fiquei com ela até o fim. Só me descontrolei por umas duas vezes. Quem cuida de doente adoece, sabia?

Eu acordava, respirava fundo e vivia cada dia, cuidando dela como a filha que não tive. Ela era a minha gatinha querida. Quanto tempo tem? 7 anos. E ainda dói lembrar. Ainda sinto um nó na garganta, um aperto no peito. Eu acredito na imortalidade da alma, sei que ela está comigo. E está num outro lugar também, sem dores, sem um corpo doente. Temos sete corpos. Quando deixamos o físico, que foi projetado para viver na Terra, voltamos para casa. Minha mãe está bem. Só eu que não. Pensei que tinha passado a tristeza, mas a Maria Célia me mostrou que não. E que preciso me curar disso, para que possa usufruir melhor da companhia de quem continua por aqui. Porque depois, não dá mais para abraçar, não dá mais para ouvir a voz, a risada gostosa. Não dá mais para planejar aquele presente de Natal, de aniversário. Eu a tratei como a rainha que foi em minha vida enquanto pude. Deve ser isso que dói. A impotência diante de certos fatos da vida. Eu sempre acho que posso, que dou um jeito, que sou forte. Mas não pra tudo.


Então querida, me perdoe se não fui vê-la quando nos últimos dias. O Nosso Pai Misericordioso decidiu que não queria mais vê-la num corpo muito muito magro e dorido. Não você que era dinâmica e engraçada. Ele decidiu que era hora de voltar para o colo Dele, fazê-Lo rir.



Meu carinho, minha admiração e saudade te alcancem onde estiver.

Um beijo grande e um abraço cheio de afeto, amiga querida.






























Ainda sobre a leitura de clássicos e a habilidade de ler diferentes gêneros textuais


Quem leu um clássico em sua versão integral lerá um reconto? Não no meu caso. Quer dizer, só o faço a trabalho. Prefiro o contato direto ( nem tão direto assim, já que são traduções). Mas pode ser que o inverso seja verdadeiro. Que uma criança ou jovem, depois de ter lido e gostado de um reconto( muitas vezes ela nem tem claro o que é um clássico, para ela o que importa é se o texto lhe agrada) ao descobrir a mesma história numa versão mais longa decida-se por lê-la.

Um reconto só tem valor para mim se for uma nova obra de arte, ou seja, se mantiver as qualidades de um bom texto e não desvirtuar a obra original. E só bons escritores são capazes dessa façanha.

Nossa escola tem exemplares de A ilha do tesouro o suficiente para toda uma classe. Acho importante que acompanhem enquanto leio para eles - os do 4º ano ainda penam com textos mais longos, se deixados à própria sorte, mas acompanham atentamente quando leio para eles; os do 7ºano receberam cada um uma sacolinha com livros, como presente da Editora Paulus ( A ilha..., contos de Eça de Queirós e sonetos de Shakespeare e de Camões) mas não leram. Das quatro turmas a que perguntei, cada uma delas com 30 alunos, apenas uns três leram e mesmo assim não na íntegra. Os poucos que leem, leem gibis, mangás. Uma garota me disse que tentou ler Crepúsculo mas desistiu, achou difícil. Perguntei o que costumava ler e me disse: poemas. Têm entre 12 e 14 anos.

Há os que não leem nada, há os que mesmo se quisessem teriam dificuldade face a um texto num formato diferente ao que estão acostumados.

A meu ver precisam viver a experiência de ler textos mais longos, outros gêneros. A escola terá falhado com eles se não puderem dar conta de um texto mais extenso, de vocabulário mais amplo. E não tem outro jeito, só lendo com e para eles. O livro sozinho não os seduz e mesmo que seduza são abandonados. precisam de um mediador.


Quanto aos 4º e 7º anos, tomei esta tarefa para mim.

O irônico? Será por meio de um reconto. Eu já o examinei. Douglas Tufano e uma outra pessoa de que não me recordo agora fizeram-no. Gostei do resultado: mantêm o suspense e a leveza do texto, característica desta obra. Mas espero sinceramente, que a experiência seja tão marcante que daqui a alguns anos quando encontrarem a versão original se decidam a lê-la.


Ler o reconto ou a versão integral de um clássico?


Uma amiga me contou que estava lendo Tom Sawyer para seus alunos, do terceiro ano fundamental( entre 7 e8 anos). Fiquei exultante. Afinal, este que é o mais conhecido e o preferido de Mark Twain, o autor, eu só fui saber dele adulta já, e mesmo assim não o li, foi um dos assuntos da disciplina literatura Americana e em meio a tantos textos para ler e trabalhos para realizar e entregar, só li a teoria sobre as contribuições desse autor para a literatura americana e universal: seu humor, sua irreverência, seu jeito simples de escrever e o fato de ter se dedicado a escrever para crianças num tempo em que não se dava muito valor a elas.

Fui saber das crianças o que estavam achando das leituras. Soube que haviam copiado no caderno um trecho do livro ( a professora pôs na lousa). Estranhei, mas não disse nada. Dias depois toquei no assunto novamente.  Que me contassem da história e do personagem. Falaram muito dos primeiros capítulos. Fiquei me perguntando se isso seria devido ao fato de terem se identificado com o personagem. Tom tem mais ou menos a idade deles, está na escola, gosta de animais, paixona-se por uma colega da classe, tem medo do professor... mas também mente, foge de casa à noite, trapaceia...

Procurei não um reconto ou resumo, mas uma tradução do texto americano, com mais de trinta capítulos. E me deliciei. Se quiser rir sozinho, se quiser saber como vivia um menino morador  de uma aldeia às margens do Mississipi, EUA ( Mark se vale das experiências que ele e amigos viveram quando crianças), se quiser saber como era a escola da época e o que Mark Twain pensava sobre ela, leia-o. Se quiser apenas se divertir, se quiser apenas ter diante dos olhos um bom texto, leia-o.

Pensava comigo, enquanto lia: "este capítulo em que Tom e Huckleberry Finn assistem anônimos a um assassinato à meia-noite no cemitério é tão emocionante! Por que as crianças não mencionaram? Esse capítulo em que eles brincam de Robin Hood no bosque é tão a carinha deles, por que não falaram nada? Tom se perdeu numa caverna com a namoradinha e as crianças não levaram em conta... Tem alguma coisa aí.


Meses depois encontrei a amiga e perguntei qual edição, de que editora se valera... E ela me contou que utilizara um reconto da Ruth Rocha. Fiquei triste. As crianças não tiveram contato com o texto integral. Sei que os recontos se destinam a aproximar os clássicos das crianças, mas nunca são os clássicos, são só recontos deles...

Perde-se a oportunidade de vivenciar o estilo do escritor, quem reconta é sempre um outro. Já ouviram falar de bons contadores de histórias que são requisitados pelas crianças em casa? Ou é a avó ou é a mãe ou é o pai. Tem sempre um que conta histórias como ninguém.


Penso que ocorre o mesmo com os escritores. Cada um tem o seu jeito e há aqueles que são insubstituíveis.

Ruth é tão bem humorada e boa escritora quanto Mark e neste aspecto as crianças não perderam, acho, porque não li o reconto embora tenha conseguido um exemplar. Eu o olhei e folheei desconfiada. Fininho. Apenas 18 capítulos. Uma brochura preparada pela Objetiva, para o Programa Literatura em minha casa, promovido pelo MEC ( hoje o programa tem outro nome e os livros são os mesmos que encontramos nas livrarias, neste aspecto, as coisas têm melhorado).

Continuo com o pé atrás em relação aos recontos. Sei que as crianças não têm como ler as obras em sua íntegra. Se é porque nossos métodos de alfabetização enfatizam mais os exercícios descontextualizados do que as práticas de linguagem, entre elas o contato intenso com a literatura. Que se dê um jeito nos métodos de ensino, oras!

Quem leu A educação de Pequena Árvore ( Record) ou assistiu ao flime O contador de histórias, sabe que esses rapazes, quando pequenos tiveram o privilégio de ouvirem a leitura de um clássico em sua versão integral ( Shakespeare e Júlio Verne), respectivamente. O interessante é que foram mulheres que leram para eles.

Por que é que isso não pode acontecer nas escolas brasileiras, ao menos na minha? É porque minhas colegas de trabalho não leem clássicos. Quando muito, um reconto. É pena