segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Do que o câncer da Maria Célia me ensinou

Quando soube do porquê de suas dores nas pernas e costas, entristeci como não há muito tempo. Ela, eu conhecia desde 1999. Ficamos mais próximas quando trabalhamos no mesmo horário, dando aulas de Língua Portuguesa para a EJA. Ela era bem mais experiente do que eu, já há tempos também no ensino médio. Eu sempre trabalhei com os pequenos e quando muito com a molecadinha do 5º ao 8º ano. Lembro que ela ria de mim, por causa do meu jeito muito calmo, gentil e educado de falar com os educandos. Que eu fosse mais fria ou impessoal, senão correria o risco de não ser levada a sério. Eu explicava a ela que aquele se tornara o meu jeito de ser e que sabia ser firme se necessário.

O tempo passou e a gente foi se conhecendo mais. Ela dizia trechos dos livros do Saramago de cor. Eu era mais de discutir as ideias do texto. Ela se amava, não importava a idade. Eu muito prudente. Ela adorava cerveja. Eu não suporto o cheiro. Eu muito séria. Ela muito alegre, fazia piada de tudo. Como era bom sentar-se perto dela! Cinco minutos depois ela debochava de algo e caíamos nas risadas. Eu meio quixotesca, acreditando na competência dos alunos e na possibilidade da melhoria da educação em nosso país. Para ela eu era só uma menina de que ela gostava.

Pena não termos saído mais. Mas eram tantas as aulas! E a minha mania de recolhimento depois que minha mãe querida morreu de câncer. Também porque cuido de muita gente no trabalho: escuto as histórias, dou atenção, compartilho o que sei, o que planejei. Eu me dedico muito, porque gosto, porque sou apaixonada pelo conhecimento.

Eu deveria ter dado mais atenção a Maria Célia. Uma vez convidei-a para escrevermos um livro. Ela tirou de uma pasta esquecida uns contos dela. Eu escrevi e resgatei os meus.  Era um tal de ela ler os meus e eu ler os dela. Quando uns 10 contos prontos, imprimimos. Eu cheia de receio, mas ela, ela foi dando pros amigos ler. Combinamos de pagar pela publicação. Mas nunca o fizemos.

A Maria Célia era de uma generosidade incomum. Única pós-graduada na família, ajudava financeiramente a todos. O ex-marido, depois que teve derrame, ela o levou para casa dela e cuidou dele. Para a sobrinha que tinha problemas com drogas ela fez tudo o que podia. Mas a menina não se recuperou. O filho desta garota, foi ela que cuidou durante a operação cardíaca. A Maria Célia era uma guerreira. Eu não.


Quando soube, vi voltar à minha mente todo o sofrimento da minha mãe. As dores, o emagrecimento, as noites gemendo, o corpo fraco, a pele muito branca. Tantos remédios. O câncer de minha mãe estava muito avançado, não havia muito o que fazer. Eu fiquei com ela até o fim. Só me descontrolei por umas duas vezes. Quem cuida de doente adoece, sabia?

Eu acordava, respirava fundo e vivia cada dia, cuidando dela como a filha que não tive. Ela era a minha gatinha querida. Quanto tempo tem? 7 anos. E ainda dói lembrar. Ainda sinto um nó na garganta, um aperto no peito. Eu acredito na imortalidade da alma, sei que ela está comigo. E está num outro lugar também, sem dores, sem um corpo doente. Temos sete corpos. Quando deixamos o físico, que foi projetado para viver na Terra, voltamos para casa. Minha mãe está bem. Só eu que não. Pensei que tinha passado a tristeza, mas a Maria Célia me mostrou que não. E que preciso me curar disso, para que possa usufruir melhor da companhia de quem continua por aqui. Porque depois, não dá mais para abraçar, não dá mais para ouvir a voz, a risada gostosa. Não dá mais para planejar aquele presente de Natal, de aniversário. Eu a tratei como a rainha que foi em minha vida enquanto pude. Deve ser isso que dói. A impotência diante de certos fatos da vida. Eu sempre acho que posso, que dou um jeito, que sou forte. Mas não pra tudo.


Então querida, me perdoe se não fui vê-la quando nos últimos dias. O Nosso Pai Misericordioso decidiu que não queria mais vê-la num corpo muito muito magro e dorido. Não você que era dinâmica e engraçada. Ele decidiu que era hora de voltar para o colo Dele, fazê-Lo rir.



Meu carinho, minha admiração e saudade te alcancem onde estiver.

Um beijo grande e um abraço cheio de afeto, amiga querida.






























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