Uma amiga me contou que estava lendo Tom Sawyer para seus alunos, do terceiro ano fundamental( entre 7 e8 anos). Fiquei exultante. Afinal, este que é o mais conhecido e o preferido de Mark Twain, o autor, eu só fui saber dele adulta já, e mesmo assim não o li, foi um dos assuntos da disciplina literatura Americana e em meio a tantos textos para ler e trabalhos para realizar e entregar, só li a teoria sobre as contribuições desse autor para a literatura americana e universal: seu humor, sua irreverência, seu jeito simples de escrever e o fato de ter se dedicado a escrever para crianças num tempo em que não se dava muito valor a elas.
Fui saber das crianças o que estavam achando das leituras. Soube que haviam copiado no caderno um trecho do livro ( a professora pôs na lousa). Estranhei, mas não disse nada. Dias depois toquei no assunto novamente. Que me contassem da história e do personagem. Falaram muito dos primeiros capítulos. Fiquei me perguntando se isso seria devido ao fato de terem se identificado com o personagem. Tom tem mais ou menos a idade deles, está na escola, gosta de animais, paixona-se por uma colega da classe, tem medo do professor... mas também mente, foge de casa à noite, trapaceia...
Procurei não um reconto ou resumo, mas uma tradução do texto americano, com mais de trinta capítulos. E me deliciei. Se quiser rir sozinho, se quiser saber como vivia um menino morador de uma aldeia às margens do Mississipi, EUA ( Mark se vale das experiências que ele e amigos viveram quando crianças), se quiser saber como era a escola da época e o que Mark Twain pensava sobre ela, leia-o. Se quiser apenas se divertir, se quiser apenas ter diante dos olhos um bom texto, leia-o.
Pensava comigo, enquanto lia: "este capítulo em que Tom e Huckleberry Finn assistem anônimos a um assassinato à meia-noite no cemitério é tão emocionante! Por que as crianças não mencionaram? Esse capítulo em que eles brincam de Robin Hood no bosque é tão a carinha deles, por que não falaram nada? Tom se perdeu numa caverna com a namoradinha e as crianças não levaram em conta... Tem alguma coisa aí.
Meses depois encontrei a amiga e perguntei qual edição, de que editora se valera... E ela me contou que utilizara um reconto da Ruth Rocha. Fiquei triste. As crianças não tiveram contato com o texto integral. Sei que os recontos se destinam a aproximar os clássicos das crianças, mas nunca são os clássicos, são só recontos deles...
Perde-se a oportunidade de vivenciar o estilo do escritor, quem reconta é sempre um outro. Já ouviram falar de bons contadores de histórias que são requisitados pelas crianças em casa? Ou é a avó ou é a mãe ou é o pai. Tem sempre um que conta histórias como ninguém.
Penso que ocorre o mesmo com os escritores. Cada um tem o seu jeito e há aqueles que são insubstituíveis.
Ruth é tão bem humorada e boa escritora quanto Mark e neste aspecto as crianças não perderam, acho, porque não li o reconto embora tenha conseguido um exemplar. Eu o olhei e folheei desconfiada. Fininho. Apenas 18 capítulos. Uma brochura preparada pela Objetiva, para o Programa Literatura em minha casa, promovido pelo MEC ( hoje o programa tem outro nome e os livros são os mesmos que encontramos nas livrarias, neste aspecto, as coisas têm melhorado).
Continuo com o pé atrás em relação aos recontos. Sei que as crianças não têm como ler as obras em sua íntegra. Se é porque nossos métodos de alfabetização enfatizam mais os exercícios descontextualizados do que as práticas de linguagem, entre elas o contato intenso com a literatura. Que se dê um jeito nos métodos de ensino, oras!
Quem leu A educação de Pequena Árvore ( Record) ou assistiu ao flime O contador de histórias, sabe que esses rapazes, quando pequenos tiveram o privilégio de ouvirem a leitura de um clássico em sua versão integral ( Shakespeare e Júlio Verne), respectivamente. O interessante é que foram mulheres que leram para eles.
Por que é que isso não pode acontecer nas escolas brasileiras, ao menos na minha? É porque minhas colegas de trabalho não leem clássicos. Quando muito, um reconto. É pena
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