quinta-feira, 7 de junho de 2012

Jovens escritores

Também a convite, visitei a página de um jovem escritor. Ler trechos de sua obra me fez lembrar de As Crônicas de Nárnia, de História sem fim e dos Senhor dos anéis. É literatura fantástica que não fica devendo nada para livros como Aragon ou Como treinar seu dragão ou ainda Sete perguntas para um dragão. Acredito ser questão de tempo para que ele consiga um contrato com uma editora séria, pois o autor tem feito a lição de casa. tem um perfil no skoob e uma página no fecebook (facebook.com/maicksonet1). Fiquei tentada a incentivá-lo a participar de concursos literários, mas talvez ele já faça isso.

Jovens escritores

Recebi um convite do blog resenhasealgomais.blogspot.com.br. Comentar os posts era condição para participar de um sorteio de um livro com grande apelo entre os jovens. Topei participar. Não tanto pelo livro, mas porque entendo que se deve apoiar todo movimento que leve os jovens a ler. Assim como uma das edições da  Veja do ano passado, acredito que quem lê bestseller quando jovem tem grande probabilidade de vir a ler títulos mais complexos e ricos como os clássicos. Eu mesma, quando menina, devorava Bianca, Fascinação, fotonovelas. E hoje, exulto quando diante de um Saramago ou Balzac. Quando se é jovem se é meio romântico, adoramos as estórias carregadas de dor, amores impossíveis, mistério, magia, outros universos. `A medida que crescemos, vamos nos dando conta de que os universos não estão lá fora e sim em nosso interior, que viver é que é o grande mistério e que as emoções que trazemos em nós, oriundas das experiências vividas tranformam-nos em verdadeiros frankensteins, em verdedeiras feras, belas, duendes ou ogros. Para ela escrevi:

"Amei o convite. Adoraria ganhar o livro não para mim, mas para minhas adolescentes. Trabalho numa escola cuja biblioteca é quase que totalmente obtusa em relação ao que atrai a atenção dos jovens no que se refere a gostos literários. O governo federal e municipal compra títulos nem sempre atraentes àqueles pouco afeitos à pagina impressa. Por isso, os professores têm de ser criativos para conseguir com que esse ou aquele título seja levado para casa... O que nos salva é a disposição desses mesmos professores em ler o que chega para saber por onde fisgar os jovens. Não é que não saibamos do valor literário do acervo, mas temos consciência de que é preciso atrair o leitor, conhê-lo, conqusitar sua confiança e simpatia para poder lhe oferecer títulos e autores desconhecidos por eles.. Muitos dos escritores dos textos que fazem sucesso hoje foram ávidos leitores. E as doações, um verdadeiro oasis em meio a aparente monotonia das estantes.

Do que vi no blog, o que me despertou a curiosidade para ler e adquirir foi o livro de Jak London; é um dos autores que quero ler e saber do preço e lançamento me fez decidir por elegê-lo uma das leituras que quero realizar este ano.

beijos e grata.


















 fazer esse mês.

Beijo, gtara e boa sorte com o blog.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

O ensino de geometria no ensino fundamental, de Maria da Conceição F. R. Fonseca ( e outras)


São várias autoras, quatro Marias e uma Mônica. Todas mestres ou doutoras em Matemática, todas envolvidas com o ensino superior dessa ciência e com a formação permanente de professores dessa disciplina. Todas preocupadas com o espaço que a geometria tem ocupado nas práticas escolares, mais voltadas para o cálculo, relegando a geometria em último plano.
Esse livro, escrito a dez mãos, resulta de um processo de formação e tem vários propósitos: narrar a trajetória do Projeto de Formação Permanente em Geometria para professores do ensino fundamental I, o Pró-matemática, realizado entre os professores da rede estadual de Minas Gerais das séries iniciais, atuar como instrumento de estudo na formação inicial e permanente de professores do primeiro ciclo, atuar como material de leitura e formação e apoio daqueles que atuam nas equipes de formação de professores nas secretarias estaduais e municipais do país.
O livro é composto das mesmas três perguntas e consequentemente três etapas/ capítulos do trabalho da formação dos professores. As formadoras optaram por um modelo de formação que respeitasse os profissionais da educação, sua experiência, competências e saberes. Por isso não partiram de verdades prontas, antes foram construindo com os professores uma concepção de ensino de geometria amparado na reflexão mobilizada por uma postura investigativa, de todos os participantes. 
A primeira pergunta, que mobilizou a primeira parte do trabalho foi: O que se ensina de geometria? Para respondê-la, os professores, divididos em grupos, foram registrando em cartazes os tópicos em geometria por eles trabalhados nos quatro anos iniciais do fundamental I. Após a apresentação, discussão e defesa do porquê de se ensinar determinados tópicos. Na etapa seguinte, ainda da primeira fase, passaram a analisar o que dizem os PCNs no que se refere ao ensino da geometria. Nova discussão. Na terceira parte, analisaram diferentes livros didáticos trabalhados na rede: em que se assemelhavam em que se distanciavam do que é pedido pelo documento federal.  Também analisaram os anais do II Encontro Nacional de Ensino de Matemática. Neles, viram como a pesquisa sobre a geometria e o ensino dela, bem como a pesquisa sobre a informática como ferramenta para o ensino da matemática têm estado presentes nos meios acadêmicos, sem que, contudo, tais informações cheguem aos professores e à escola básica. Por último, retomaram suas listas iniciais e ao observá-las à luz dos novos saberes adquiridos, foram encontrando incoerências e lacunas no conteúdo e nas metodologias, não condizentes com as mais recentes tendências do ensino de matemática.
O segundo capítulo tratou da segunda pergunta: Quais os conhecimentos em geometria dos professores? Para tanto, as formadoras oportunizaram a discussão das figuras de linguagem portadoras de vocabulário matemático, pedindo aos professores que, também em grupos, discutissem os sentidos para os termos geométricos como círculo vicioso, triângulo amoroso, pessoa quadrada, sociedade piramidal, ver sob outro prisma, aparar as arestas, personagem plano, sair pela tangente. Nos momento de socialização coletiva dos significados dados pelos grupos, as formadoras atuaram ampliando os conceitos dos participantes: o círculo como uma curva fechada de pontos notáveis, porque todos possuem a mesma distância do centro; o triângulo é qualquer polígono de três lados e não apenas os isósceles e os eqüiláteros; pirâmides são sólidos geométricos e não apenas os monumentos egípcios; ver sob outro prisma implica também em ter uma visão distorcida da realidade e não apenas ver sob outro ponto etc.
Nesta segunda fase da formação, os professores foram instados a observar e registrar (desenho) a presença das figuras geométricas nos ambientes. Esse trabalho os fez perceber a dificuldade que enfrentaram ao desenhar, já que frutos de uma educação que pouco valor dá aos momentos de desenho. Neste momento, refletiram sobre o porquê do ensino da geometria, que visa, entre outros, a percepção espacial e estética (dimensão formativa) e a resolução de problemas – formais ou não- e o preparo para o trabalho (dimensão utilitária); refletiram também sobre o espaço que o desenho tem recebido na sala de aula.
Na terceira fase da formação, a pergunta mobilizadora foi: Por que se ensina geometria? Nesta etapa, os grupos de professores resolveram problemas relacionados a medidas e grandezas, problemas do cotidiano, como por exemplo, decidir se um espaço comporta uma piscina de 2000 litros ou duas de 1000 (aqui aprenderam a distinguir volume de capacidade), se a piscina retangular é preferível à redonda, tiveram de discutir qual a melhor opção: azulejar ou pintar com tinta impermeável as paredes de um banheiro. Essas questões tiveram por objetivo exemplificar como os saberes geométricos são necessários a todos, não importando as opções profissionais. Problematizaram o conceito comum entre eles, de que apenas os que se dirigirem a profissões que requeiram conhecimentos geométricos devam ter acesso ao seu ensino.
O livro e o trabalho nele relatado é uma valiosa contribuição para os professores do ensino fundamental I, que pouco ou nenhum contato tiveram com a geometria, seja pelo ensino que receberam quando criança ou jovens, seja por que fizeram Magistério ou Pedagogia, ambos voltadas para metodologias, legislação educacional, história da pedagogia e teorias sobre aprendizagem ou porque, as professoras, dedicadas ao alfabetizar das crianças, deixam a matemática em segundo plano.

domingo, 3 de junho de 2012

Como um romance, Daniel Pennac


Este é um livro escrito por um professor que aprendeu a amar os livros com outros professores, a despeito da incapacidade da escola de manter  o brilho natural que o texto literário possui. É fato que as práticas escolares esvaziam o texto de toda a sua magia e a capacidade de despertar nas crianças e jovens a curiosidade por ele. Tudo porque na escola ler se torna um dever, “Você tem que ler”, é a frase corrente entre professores da língua materna e dos pais, todos preocupados em fazer com que a infância e a juventude adquiram a bagagem cultural necessária ao sucesso neste mundo mais facilmente decifrável àquele que domina a linguagem escrita: saber ler é então fundamental para o desenvolvimento do cognitivo, do potencial criativo, da capacidade imaginativa e avaliativa( ou criticidade), da solução de problemas, para citar apenas alguns dos benefícios do contato íntimo, intenso e progressivo com a palavra escrita.
Mas todos esses argumentos não funcionam com a criança e o adolescente. Eles não estão preocupados com o futuro, o que os atrai na literatura é a capacidade que ela tem de fazer com que experienciem intensamente das emoções já conhecidas e outras insuspeitas a abrigadas em seus íntimos.  Crianças e jovens são mais emocionais que racionais. Adoram histórias, gostam de se projetar para mundos outros, gostam de se identificar com personagens possuidores de poderes diversos daqueles presentes no cotidiano. Não é à-toa que admiram o parente ou professor que difere dos seres humanos comuns... No entanto, professores e escola esquecem-se desses fatos e insistem no “têm que ler” e ao escolherem livros que pouco têm a ver com as características e gostos infantojuvenis, ao estabelecerem trabalhos, provas, fichas de leitura, acabam por colherem muito poucos leitores apaixonados pelo livro.
Essa é uma das teses que o professor e escritor Daniel Pennac defende em seu livro Como um romance. E porque sabe que há nos professores uma certa aversão por textos áridos, carregados de carga teórica e fria, tão próprios aos textos científicos, optou por um estilo de escrita muito próximo ao do literário, o que lhe conferiu não só coerência como também sucesso ao tratar da didática da leitura de textos literários em sala de aula.
Começa relatando um evento corrente em todos os lares e escolas ocidentais: pais e professores que no início da infância e escolarização da criança leem para elas, mas que, mal essas começam a decifrar a palavra escrita, deixam-nos à própria sorte com o livros, esquecidos das dificuldades e da lentidão presentes no domínio das palavras, frase e períodos, que possuem graus de dificuldade de compreensão devido à grafia, sentidos, contextos, vocabulários entre outros. Quando o pai, mãe ou a professora liam, dava-se por encanto a magia, oriundos dos tons de voz, expressões faciais, gestos... Então como num passe de mágica, mal iniciada a leitura, as cortinas do imaginário infantil se abriam e na tela da mente era possível vivenciar o medo, a tensão, a alegria a vitória dos personagens preferidos. Mas depois de algum tempo, a hora da estória na escola ou em casa são substituídos pela hora da lição. E a leitura deixa de ser encanto para ser obrigação. “Lê pra mim?“ “Não você já sabe ler”. Depois de algumas tentativas, repletas de gaguejos e tropeços, seguidos de cansaço e frustração, o livro é deixado de lado.
Com o jovem é quase o mesmo, diz o autor. Ele tem que ler tantas páginas até o dia tal para a prova do dia tal. Ele se tranca no quarto para ler. O livro tem muitas páginas e nenhuma ilustração. “Tenho que ler” Horas depois, só umas poucas páginas lidas, vem com o cansaço a constatação: “Não vou conseguir ler tudo isso a tempo.”
Como superar esse problema? Como cativar novos leitores? Para Daniel, é simples: basta ler para eles, não importa se criança ou jovens, ler para eles em voz alta, até que curiosos para saber quais os próximos eventos da trama peguem no livro e se enveredem por suas páginas, caminhem entre os livros sozinhos.
Para Daniel, a leitura é uma prática social que não se dá pela obrigação, mas pela necessidade, gosto ou curiosidade. E inseri-la na vida dos infantes e jovens por vieses que não esses é o mesmo que inviabilizar o surgimento de novos leitores. Sendo assim, a escolha do título a ser lido para eles é de vital importância. Escolher a dedo o que será lido, para que queiram o livro como quem quer água quando com sede. Acha isso impossível? Títulos como A bruxa Salomé, O Mago, o Horrível e o livro de feitiçaria, O Menino Maluquinho (para crianças), para citar apenas alguns ou Os pequenos guardiões, A hora da vingança, os diários, Comédias para se ler na escola (para jovens), costumam agradar em cheio.
Oferecer um livro ou a leitura dele como quem oferece um prato especial num almoço ou jantar de uma data especial a um candidato ilustre, essa a proposta de Como um romance. Mas numa escola projetada para as massas, que não considera a diversidade e a individualidade de cada ser que recebe, e que muitas vezes faz o mesmo com seus profissionais, é quase uma missão impossível. Só uns poucos bravos, a despeito de toda a engrenagem, cumprem-na.

Hugo Cabret


Ele não acreditou no que viu. Jovens do sétimo ano do fundamental II, com cerca de 13 anos, sentados lado a lado, gastando seus vinte minutos de intervalo lendo. Não, não são estudantes das escolas de elite de São Paulo, aquelas sempre bem colocadas nas avaliações externas promovidas pelo MEC, estados ou municípios brasileiros. São jovens de baixa renda, alguns tendo como casa um único cômodo.
Que livro teria feito essa revolução? Seu nome: A invenção de Hugo Cabret, de Brian Selznick, adquirido pelo Programa Apoio ao Saber, promovido pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, que tem como propósito distribuir livros de excelente qualidade aos jovens do ensino fundamental e Médio.
Há quem critique o Programa, argumentando que os jovens não sabem dar valor às obras selecionadas, compradas e distribuídas. Não é o caso desse livro, do seu autor e da editora, que apostaram num formato de obra inusitado. São 534 páginas em preto e branco, recheadas de ilustrações a lápis. Quanto tempo terá levado o autor para elaborar cada imagem, muitas delas em homenagem ao cinema e a seus inventores? Seja qual tenha sido o percurso percorrido pelos idealizadores do livro valeu a pena, pois nesta mesma escola as turmas não agraciadas com a obra foram reivindica-la com a coordenadora pedagógica. O que os encantou, as imagens ou o texto?
São muitas as razões que levam diferentes pessoas a lerem um mesmo livro. A sugestão de um amigo, o apelo publicitário, a curiosidade. O professor citado quis saber o que havia no livro para causar tamanho alvoroço e o pegou para ler. Uma outra professora, ao ouvi-lo falar do episódio procurou por um exemplar e quando viu quem o havia traduzido ficou ainda mais curiosa da obra, ela que é professora de língua portuguesa  e admiradora dos textos desse, que muito tem contribuído com seus livros e estudos, ao desmascarar o preconceito lingüístico, um dos trunfos dos que se mantêm no poder.
A estória de Hugo acontece na Paris de Victor Hugo, mas quase não há referência à beleza da cidade nem a seu grande homônimo. Tal como o personagem mais conhecido do mestre da escrita francesa, o menino Hugo vive entre muros e torres, não os de uma igreja, mas os de uma estação de trem. Ele mantém os relógios em funcionamento, o corcunda tocava os sinos... Hugo é órfão, do pai só lhe restou um autômato e o menino acredita que se conseguir fazer com que ele funcione, receberá uma última mensagem do pai. É difícil para o garoto estar sozinho no mundo. Ao roubar peças de uma loja de brinquedos, acaba por se envolver nos problemas de uma família que posteriormente o adotará.
O texto, que tem um certo suspense e ritmo, é quase que totalmente ofuscado pelas  ilustrações que fazem muito mais que ilustrar a narrativa. É difícil saber se foi proposital, já que texto e imagens estão intimamente relacionados, ora um ora outro levando a narrativa à frente. A descrição textual teria sido substituída pelas imagens? É quase certo que sim, pois o leitor não se dá ao trabalho de imaginar lugares e cenas, já que elas estão distribuídas pelas páginas do livro. É uma obra bonita de se ver, mas que não deixa impressões mais profundas no leitor, não para aqueles acostumados a textos que exigem mais de sua imaginação e intelecto. Mas esse livro não é para esses, é para os jovens, tão próximos da infância ainda e é bem sabido como as ilustrações encantam não apenas a crianças, mas a quase todos os que amam as imagens.

Sobre Fedro


Impossível encarar da mesma maneira a tarefa da escrita de um texto, a incumbência de proferir uma palestra ou ministrar aulas depois da leitura de Fedro, um dos discursos mais respeitados de Platão. Conhecido pela definição que traz do amor, é um verdadeiro manual de sobrevivência, de leitura imprescindível para todo jovem e adulto. Embora se trate de um texto argumentativo, que exige uma leitura mais atenta e o desenvolvimento de competências leitoras mais complexas, seu grau de dificuldade não impede que se eleja ao menos trechos para leitura e reflexão em sala de aula, pelas definições que traz não só do amor,mas também da arte da oratória e da escrita.
Sócrates, o orador do texto, tem a postura do homem honrado, que dá o devido valor e importância à elaboração do discurso, seja escrito ou falado. Após ouvir do jovem amigo a leitura de um discurso sobre o amor proferido num banquete por Lísias, um sofista, Sócrates conclui que não percebera nada que distinguisse aquele discurso de outros já proferidos por outros sofistas, superficiais e incapazes de contribuir para uma conceituação mais elaborada por parte dos ouvintes dos temas tratados. Para eles, os sofistas (assemelhados a alguns oradores, palestrantes, políticos e advogados de hoje em dia) não estavam interessados na verdade e sim na obtenção de favores, reconhecimento e riquezas, não hesitando em manipular as palavras e os argumentos em seu próprio favor.
Diante desse posicionamento, Fedro quer saber do amigo se este tinha a dizer algo superior ao dito por Lísias, para quem era preferível prestar favores ao não enamorado que ao enamorado.
É quando, após pedir pela assistência dos deuses, Sócrates inicia uma argumentação cuja estrutura é digna de atenção de todos os que aspiram ou necessitam aprender a escrever e proferir textos argumentativos. Primeiro aponta uma das falhas do discurso do sofista: não definiu o objeto do discurso, limitando por emitir uma opinião e repeti-las por várias vezes,
O que tornou o texto redundante. Pra Sócrates, faltou a definição do tema, no caso o amor. Começa então por dizer que o amor é desejo pelo belo. Mas como os não enamorados também desejam, surge o problema: como saber se o que se sente ou o que dizem sentir por você é amor?
Sócrates responde a questão situando o desejo existente em todo ser humano em dois impulsos: o desejo inato e o desejo guiado pela opinião que visa o que é melhor,ou seja, a temperança e a intemperança.
Quem ama filtra seus desejos, doma seus instintos, é capaz de se afastar se perceber o que sente corrompe a si e ao ser amado. Esse amor não é egoísta nem possessivo. É o amor ideal, já que não visa apenas o seu interesse, nem vê o outro como um objeto que lhe pertença.
É interessante notar como Sócrates retoma o mesmo argumento valendo-se desta vez da alegoria da carroça. Nela, a alma é dividida em três aspectos: o cocheiro, e dois cavalos alados, um é belo e bom, o outro é de raça ruim, sendo assim, conduzir nosso carro (a vida) é ofício difícil e penoso. A alma participa do divino, mas um dos cavalos se arremessa para baixo... É o que seria esse baixo? O sexo pelo sexo e suas conseqüências, a glutonaria, o alcoolismo, a ira, a falta de princípios e suas consequências para a sociedade.
Quem lê Fedro percebe de que se trata o amor platônico: é capaz de prescindir do sexo, é capaz de abrir mão da união como amado se concluir que essa não lhe convém. É um amor comedido, regulado pelo autocontrole, não é impulsivo nem inconseqüente, nem se perde em meio ao calor da atração.
Quantos são capazes de tal amor? Para se amar assim, somente quem capaz de ficar sozinho, se está na relação é para partilhar, não visa o proveito próprio.
              A origem da escrita e o questionamento dos seus reais benefícios para a memória, a necessidade da apreensão da verdade para só depois se dedicar ao discurso,  também são tratados no discurso. E sendo a verdade um dos temas centrais da filosofia, quem pouco dela sabe, se levarmos em consideração o que diz Sócrates, pouco serviço presta a quem o lê ou escuta. Nos dias de hoje, qual a pertinência da filosofia. Para Platão, toda possível.
Imprescindível para quem quer saber o que ´pe o amor, para quem quer aprender a escrever, para quem quer aprender a pensar. Da Martin Claret

sobre Quando Nietzsche chorou


A receita do doutor Irvin D. Yalom funciona.  Pelo menos nos dois romances biográficos que escreveu: Quando Nietzsche chorou e A cura de Shopenhauer, ambos alcançaram ampla vendagem. São livros que funcionam por várias razões: a proposta de apresentar ao público dois filósofos cujas obras, de inegável valor pelo questionamento agudo do pensamento e dos modos de ser da sociedade da época em que viveram, são pouco lidos e conhecidos pelo público em leigo.
Outro motivo é o caráter terapêutico dos textos: em ambas as narrativas, na primeira o próprio Nietzsche e na segunda um especialista em Shopenhauer, passam por um processo de cura pelo diálogo. Ao longo das narrativas vamos conhecendo a intimidade, as fragilidades, as características do pensamento de cada um, os problemas com a família, a vida solitária, as polêmicas suscitadas pelas suas obras e posicionamentos.
A escrita de ambos é boa, mas a do primeiro é apaixonante, enreda o leitor até as últimas páginas. O doutor Irvin conta com uma equipe de pesquisadores que o auxilia na escritura de seus livros, pesquisadores, estudantes, especialistas. Em quando Nietzsche chorou, ele apresenta uma ampla lista de colaboradores. É nteressante a escolha dos pacientes tratados nos livros. Em Quando Nietzsche... não é o filósofo, mas a única mulher  com quem ele cogitou estabelecer um relacionamento que procura o doutor Bauer, um do pais da psicanálise para pedir-lhe que trate de Nietzsche, a fim de cura-lo de uma depressão suicida.. A principio o médico reluta, mas acaba convencido, um pouco pela beleza da mulher, outro tanto pela singularidade do paciente.
É claro que Nietzsche se recusa a tratar-se, embora já tivesse passado por vários tratamentos. Suas justificativas fazem supor que ele tivesse acabado por aceitar sua condição de homem solitário, sábio, doente e pobre. Essa aceitação não é em nada a de um fraco, é a capacidade de se ver em plenitude, naquilo que o distingue entre os demais e naquilo que o nivela.
A incapacidade de relacionar-se, a hostilidade com que os acadêmicos e pensadores receberam as obras de Nietzsche e de Shopenhauer causaram neles profundas feridas. O primeiro chegou a ter crises de enxaqueca e apatia, que o abatiam por dias.
Quando Nietzsche chorou é recheado de diálogos entre o doutor Bauer e o filósofo, entre o doutor e Freud. São conversas de uma riqueza filosófica e ao mesmo tempo de uma fluidez e adequação (porque tratam das mesmas questões do homem comum: as escolhas, o amor, as ambições, a ética) que tornam o livro imprescindível para qualquer leitor.
Outro mérito do livro é a tese de que o terapeuta também se cura quando trata. Ele também tem seus demônios e como qualquer outro mortal precisa da relação com o outro. O terapeuta não está acima do paciente porque também humano, aquilo que o distingue dos demais, o conhecimento acumulado não lhe é suficiente para autocurar-se. O que se tem então é a troca: esse outro que o terapeuta auxilia a curar-se é espelho e referência com que o curador se vê. Se todos os terapeutas comungam com essa tese é algo a se saber Mas é com certeza uma das que o Doutor Irvin Yalom acalenta. E que compartilha com seus leitores. Há uma série na tevê paga Chamada Em terapia, na qual vemos como é árduo o ofício do terapeuta, sempre às voltas com as mais densas doenças da mente e da emoção, dele e de seus pacientes. Após cada episódio é impossível não suspirar por ele e pelos seus pacientes. Terá sido a criação dessa série influenciada pelo sucesso dos livros do doutor Irvin Yalom. É quase certo que sim.

O ensino da leitura e da escrita de textos jornalísticos


Como ensinar aos estudantes do ensino fundamental e Médio a escrever textos informativos?Uma boa estratégia é familiarizá-los com esse gênero textual, presente em jornais e revistas e familiarizar significa lê-los e reescrevê-los. Para quê? Pode não parecer, mas a leitura e a escrita de textos desse gênero preparam os estudantes para a pesquisa.
Os educadores costumam separar os estudantes em duas categorias: aqueles potencialmente destinados à carreira acadêmica e aqueles que precisam entrar no mercado de trabalho o quanto antes, seja por não se destacarem nos estudos, seja por questões econômicas.
O que passa despercebido aos educadores que assim classificam seus estudantes é que a pesquisa é  praticada cotidianamente. Pesquisamos quando vamos às compras (preço, qualidade, descontos). Pesquisamos quando procuramos emprego, quando escolhemos o que pedir no restaurante, para onde ir nas férias, como reequilibrar um orçamento que está no vermelho, com quem e quando ficar, namorar, casar... A pesquisa é um fazer profundamente humano e quanto maior nossa habilidade em realizá-la, maior sucesso teremos, não importando o caminho profissional  escolhido, pois quem sabe prever passos vive melhor, porque capaz de respeitar um orçamento, planejar para ter filhos, comprar uma casa, planejar a aposentadoria.
Nesse aspecto e tendo em foco as demandas dos novos tempos, é urgente ir desenvolvendo nos ensinantes as competências inerentes à pesquisa. E quais seriam elas? E em que medida podem ser detectadas nos textos jornalísticos?
Os profissionais que elaboram esses textos partem sempre de uma pergunta sobre um determinado tema, frequentemente digno de atenção, de relevância social. Não é este o mesmo procedimento de um pesquisador? Para respondê-la saem a campo, colhendo informações. Leem livros, artigos, visitam o local onde ocorreu o fato sobre o qual escreverão, entrevistam testemunhas, vítimas, investigadores, especialistas... E anotam, gravam, fotografam. Feita a coleta das informações passam a compará-las no que se assemelham e no que diferem, distinguem qual informação merece ser aprofundada, descartada, reformulada.
O texto final, elaborado pelo jornalista é sempre escrito com base no que ele descobriu sobre o assunto pesquisado. A diferença deste texto para o acadêmico, que é discursivo (ou seja defende uma ideia) é que aquele não demanda a mesma quantidade de  tempo e de recursos que este, já que têm finalidades diversas. O texto jornalístico informa, o texto argumentativo defende uma ideia, e no caso da monografia, dissertação ou tese, produz conhecimento novo. Mas é inegável o fato de que compartilham o mesmo percurso inicial (o da coleta de informações) e as etapas da feitura do texto.
Fazer saber aos ensinantes desta etapa da confecção do texto jornalístico, auxiliá-los na identificação de sua estrutura( título, primeiro parágrafo com informações gerais em torno do esquema o que, quem, onde, como, porque, quando e seu desenvolvimento nos parágrafos seguintes, sendo o último reservado à conclusão do texto) tem uma relevância ímpar no ensino da linguagem e suas tecnologias porque rica em conteúdos: além dos já citados, ambienta-os na leitura e confecção de textos em terceira pessoa, aproxima-os dos acontecimentos mais globais, referentes ao Brasil e ao Mundo: comportamento, economia, conflitos, tecnologia, cultura.
Um aspecto a ser destacado é como despertar o interesse das turmas para esses conteúdos. Um caminho possível é ir mapeando com eles, em conversas iniciais, quais os planos para o futuro, qual o papel da leitura, da escrita e da pesquisa na concretização desses planos, bem como quais fatos ou temas têm maior atratativo entre eles. Com essa informações em mãos é possível ir selecionando o que ler com eles, bem como quais relações entre os assuntos dos temas escolhidos e os que chamam a atenção deles. 

Este é um trabalho árduo, que exige, escuta ativa, pesquisa, planejamento e trabalho coletivo. E uma vez que a maioria das crianças e jovens em idade escolar estão nas mãos de professores que trabalham em jornadas de 40, 60 horas semanais em sala de aula, com pouco tempo para ler, refletir e planejar estratégias, é pouco provável que realizem um trabalho permanente junto  aos educandos tendo como foco o texto jornalístico. O que é uma pena. Uma lei federal recém-criada, que prevê, além do piso nacional, a destinação de um tempo fixo da jornada do trabalho do professor destinado ao preparo das aulas e ao estudo pode em muito ser benéfico, mas só se de fato esse tempo for utilizado de forma ética e responsável. Se não, a educação brasileira continuará na mesma, o que é inviável nesse tempo de ascensão dos países emergentes, dentre eles o Brasil. 

Perfil, do Zeca balero


No Cd a mesma proposta do seu CD de estréia Vó imbolá, no qual, como sugere o título, apresenta um trabalho que dialoga ou é fruto das mais diversas e ricas manifestações musicais presentes em nosso país: tem samba, tem erudição, tem rap, tem canções de amor, tem canções de protesto...
Mas se no primeiro a participação dos que com ele compartilham o seu jeito de conceber música é mais sutil, quase que uma segunda voz, só perceptível aos de ouvidos apurados pela experiência musical, o segundo tem a participação mais evidenciada. Zeca canta com Gall Costa, com Zeca Pagodinho, com Chico César, com Zé Ramalho, com Faces do Subúrbio e Rita Ribeiro.
É este o perfil do Zeca: jamais sozinho sempre acompanhado daqueles que, como ele, têm na música mais que fonte de renda, especo de expressão, de criação. E como resultado dessa comunhão de vozes, estilos e propostas têm-se quinze canções, cada uma com a sua beleza. Em Proibida pra mim a voz de um jovem que se vê ainda despojado da experiência e de conhecimento, mas cheio de coragem em face do desejado.
Em Vapor barato temos um eco de vozes a cantar o Brasil de ontem que protestava de modo cifrado porque clandestino e o de hoje que, livre da ditadura resgata na mesma canção, recentemente interpretada pelo Rappa, numa versão dançante, sua carga romântica. Gal, exilados, Zeca, Rappa, enamorados. A mesma canção, tantas vozes.
Em Babylon o hino aos prazeres em resposta ao vazio existencial ou financeiro por muitos compartilhado. Quantos o cantam sem ter consciência dos riscos por trás do hedonismo?
Piercing é polêmica porque questiona os novos sentidos para a dor, atribuídos a ela por quem não sabe do que realmente ela representa. “Tire o seu piercing do caminho que eu quero passar cm a minha dor” Para que o piercing, por que se ferir, se mutilar? Em que medida a ostentação dele – um contraste interessante com os dedos cheios de anéis do general de Vapor barato – confere status, beleza? O que é a dor? Qual o papel dela se tão presente na trajetória humana? Subjuga ou liberta? Ensina ou aleija? Ruína ou cinzas da fênix?
Piercing é também cheia de metáforas, característica dos ditos populares:

“O homem inventou a roda, Deus o freio;
O feio inventou a moda e toda moda amou o feio;
Satanás condecorado na tevê tem um programa;
Aqui vive-se à míngua, não tenho papas na língua;
Não trago Paris na alma, minha pátria é minha rima;
Eu perdi no paraíso, mas ganhei inteligência;
O presente não devolve o troco do passado;
Tome logo um engov pra curar sua ressaca da modernidade, matilha de cães raivosos.
Lugar de ser feliz não é supermercado;
Revólver que ninguém usa não dispara balas;
Pra chegar na minha cama tem que passar pela sala;
Todo mundo quer subir na vida
Se subir espere a descida
Se na hora H o elevador parar ... Sempre vai haver uma escada de serviço;
Tire o seu piercing do caminho que eu quero passar
Eu tenho a palavra certa pra doutor não reclamar;
Mente desperta que desperta a de quem o escuta. É esse o perfil do Zeca Baleiro. Criativo, crítico, fraterno. Face de muitas faces. Made in Bazil.





Educação na cidade, Paulo Freire



Não se pode dizer que se trate de um livro escrito por Paulo Freire, mas também não se pode dizer que não. É um livro-entrevista, como o de Telma Weisz (Diálogo entre o ensino e a aprendizagem). Mas há diferenças entre eles.  Ao defender, definir, exemplificar e desmistificar o método construtivista, Telma foi resgatando a essência do ensino, que é a interação dialética entre educador e educando, aquele numa posição privilegiada porque já sabe o que o outro precisa aprender, porque já sabe (ou deveria saber) como esse outro aprende e que é também aprendente, na medida em que precisa inteligir o que o outro já sabe, para bem propor intervenções que possibilitem o aprendizado deste outro. Outra diferença é que Telma foi entrevistada por uma só pessoa, uma entrevista longa que rendeu muito material a ser aproveitado quando lhe sugeriram a publicação de um livro. A pesquisadora participou ativamente da confecção do livro e contou com a colaboração d ex-alunas.
 Educação na cidade é um apanhado de entrevistas que o Mestre concedeu primeiro semestre da sua assunção da pasta da Secretaria de Educação da cidade de São Paulo. Tais entrevistas ( 10 ao todo) divididas no livro em duas partes parecem ter sido motivadas pelo inusitado da situação vivida pelos paulistanos, quando esses optaram em ter como prefeito uma mulher nordestina de esquerda, uma verdadeira revolução. A prefeita, por sua vez não hesitou em convidar para gerir a educação da cidade nada menos que Paulo Freire, o mais influente e aguerrido educador que o Brasil já teve, com dezenas de livros publicados, criador de um método de alfabetização, perseguido pelos militares, reconhecido internacionalmente... Quão capaz seria ele em efetivar seus princípios e propostas educacionais? É a esta questão que o livro vem resolver.
O que ele quis nos dois anos em que conduziu a educação da cidade foi mudar a cara da escola de São Paulo, vítima de défits quantitativo e qualitativo. Eram os anos 1989-1991 e havia um número significativo de crianças fora da escola, o currículo inadequado às características etárias, de classe e às necessidades dos que a freqüentavam, condições físicas  das escolas eram deploráveis:
“...50 escolas com teto caindo, pisos afundando, instalações elétricas provocando risco de morte, quinze mil conjuntos de carteiras escolares arrebentadas, um sem-número de escolas sem carteira escolar...”(p.23)
Os ideais, princípios e objetivos que emanam da Carta Magna recém-promulgada não haviam chegado à escola paulistana, princípios como a cidadania, a dignidade da pessoa humana; objetivos tais como a construção de uma sociedade justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza, da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais, a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, do direito à educação. Esses e outros pressupostos democráticos da gestão da polis, que tem por meta o desenvolvimento de todos como fundamento do desenvolvimento da nação não haviam ainda influenciado os modos de se fazer a educação na cidade.
Mesmo tendo por formação o Direito, não foi por este viés que Paulo Freire buscou reformular a escola e sua prática. Foi por meio da sedução dos educadores, proporcionando-lhes experiências democráticas como a participação na reformulação do currículo, o aumento salarial, a criação de um estatuto do magistério e do plano d carreira, a reforma e melhoria dos equipamentos e prédios escolares, a formação permanente do professor desde a base escolar, desde o seu lugar de ofício, tendo como ponto de partida a reflexão sobre a prática, para que educadores e educadoras fossem eles mesmos percebendo onde sua metodologia e conceito de educação viabilizavam ou obstaculizavam a efetivação do modelo democrático de escola e de país por muitos desejado, mas muito pouco conhecido nos modos de construí-lo.
Foi como gestor democrático e progressista que Paulo Freire se disponibilizou a dialogar com diretoras, coordenadoras, supervisoras, professoras, zeladores, merendeiras, alunos, famílias, lideranças populares. Porque sabia que a escola é espaço privilegiado para a formação cidadã na medida em que se abre e que compartilha o poder com educandos e comunidade, aceitando os riscos e desafios que esta postura mobiliza. Porque sabe que é seu papel ensinar a pensar certo através do ensino dos conteúdos.
E o que seria o ensinar a pensar certo? O ensino que ensina a pensar certo é aquele que, através dos conteúdos desoculta a razão de ser dos problemas sociais que afligem a cidade e o país. Uma educação que mereça ser chamada como tal ensina a liberdade, não a licenciosa e destrutiva, mas a do compromisso com a construção de um mundo melhor. E para poder escolher que tipo de presença no mundo o educando quer ser ele precisa saber em que mundo vive, qual sua grandeza e qual sua pequeneza. É neste aspecto que a escola, micro do macro que é a sociedade tem o dever de oferecer à criança, ao jovem e à comunidade  espaços coletivos de participação das decisões e das ações que contribuam para sua melhoria.
Há muito neste livro da pessoa, do profissional, do administrador que Paulo Freire foi. Um modelo para quem é gestor, para quem é brasileiro, para quem é educador.
Aqui, faz-se a opção de chamar a atenção do coordenador pedagógico da escola municipal de São Paulo. Até que ponto este tem sabido cultivar os ideais democráticos de educação na escola em que atua? Paulo Freire sabia a que vinha. O coordenador sabe? Paulo Freire tinha uma agenda para a educação da cidade, aquilo a que chama-se plano pedagógico, com princípios, diagnósticos, metas, ações, colaboradores. Tudo visando a mudança da cara da escola, nos moldes democráticos. Foi por isso que o Conselho de escola e o Grêmio estudantil receberam a devida atenção na gestão dele. Que atenção o coordenador pedagógico tem dado a esses institutos democráticos?
Paulo Freire sabia que a mudança da escola não se dá por decreto, mas por meio da valorização dos profissionais dela, seja pela melhoria das condições de trabalho e de salário, seja na promoção de uma formação permanente que o auxilie a superar a sensação de desvalor (todas as mazelas da Educação são atribuídas à suposta má formação do professor), da impotência frente aos desafios do ensinar, em grande medida oriundo da incapacidade do diretor e do coordenador em construir uma equipe com os seus docentes, em assumir como problema de todos o de um, porque o aluno ou a classe não é do professor, é da escola.
Pesquisas recentes vêm demonstrando que o coordenador pedagógico, líder dos docentes, não se vê como tal, não tem claro o seu papel e desperdiça tempo e energia realizando o que não é do seu ofício, que é cuidar da formação permanente dos professores. Em Educação na cidade, Paulo Freire tem muito a lhes ensinar.

  

Diálogo entre o ensino e a aprendizagem, Telma Weisz


Neste livro, Telma vai contando à entrevistadora como foi se delineando nela a professora reflexiva, profundamente engajada na construção de um modelo de ensino que leva em conta o saber dos excluídos, que enxerga neles sujeitos capazes de aprender, que busca conhecer e se aproximar dos saberes quanto a como o ser humano aprende e que delineia a partir desse posicionamento e desses saberes modos de ensinar, modos de intervir na escola. Esse livro, que resulta de extenso material gravado e de outros registros, bem como da colaboração de ex-alunas de Telma, tem sido referência em cursos de formação permanente e presença constante na bibliografia de concursos públicos para professores. É um livro que funciona muito bem como primeira leitura daqueles que estão ingressando nos cursos de Pedagogia, na Educação ou que queiram, por serem professores de redes de ensino que optaram pelo modelo sócio-interacionista de ensino, saber do que se trata esse modelo, seus pressupostos teóricos e políticos, e isso não por meio da leitura de textos técnicos, densos e frios, mas por meio de uma leitura que em muito se assemelha com uma conversa. Por que é esta a característica maior desse texto, cuja linguagem é tão viva, íntima e apaixonada quanto um bate-papo com um Mestre, justamente aquele que de tanto saber, adquiriu a humildade daqueles que têm prazer em servir, em compartilhar suas descobertas, sonhos e metas.
O que distingue essa professora que hoje dá formação a outras professoras é o olhar sensível. Ela percebeu aspectos do ensinar, da escola e do grupo que esta atende que para muitos outros profissionais da educação passam despercebidos, como:
·         As escolas deixam para professores iniciantes as classes compostas por crianças que mais precisam de intervenção especializada.
·         Os repetentes são os mais pobres ou de pele não clara.
·         Crianças que trabalham na rua vendendo doces são exímias ao realizarem cálculos mentais que envolvam o troco, mas não sabem resolver os problemas propostos pela escola. Esta por sua vez não busca criar nexos entre o saber dessas crianças e o saber por ela ensinado, taxando-as de incapazes de aprender.
·         As crianças que “demoram” para adquirir a compreensão de como se escreve já têm hipóteses sobre como esta se dá e escrevem de acordo com elas. Não é que não saibam escrever, elas não se apropriaram do modo padrão da escrita. Quando a escola diz ”ele não aprende” exime-se do seu compromisso de criar soluções para este problema que não é só da criança, é também dela.
Para melhor agir, para compreender como a criança aprende, a autora leu textos de Piaget em francês. Quantos professores se disporiam a tal?

Essa opção de ser vem da opção de não ser uma presença neutra no mundo, mas de ser um agente transformador dele. É sem dúvida um posicionamento político e ideológico oriundo da consciência da não adaptação nos modos de ser da sociedade e do mundo, e sim da transformação dele.
Mais que a natureza da linguagem, o que também distingue esse livro dos demais que tratam do mesmo tema é o fato d estabelecer com o leitor uma interlocução com quem está produzindo teoria a partir do cotidiano da sala de aula. Há nele a análise e a reflexão a partir da experiência observada e sala de aula. No capítulo um ela conta como deu início a sua trajetória de educadora. Do capítulo dois ao quatro ela conceitua o construtivismo e esclarece alguns equívocos sobre ele. Do capítulo cinco ao oito ela discorrre sobre tópicos tais como:
·         O porquê de não ser possível formular receitas prontas para serem aplicadas a quaisquer grupos de alunos (“a prática pedagógica é complexa e contextualizada”);
·         Para mudar é preciso reconstruir toda a prática a partir de um novo paradigma teórico;
·         A organização da tarefa garante a máxima circulação de informação possível (“o conhecimento avança quando o aprendiz enfrenta questões sobre as quais ainda não havia parado para pensar”);
·         O conteúdo trabalhado deve manter suas características de objeto sociocultural real (leitura e escrita de textos reais x escrita de redações sem destinatários reais que não o professor);
·         Quando corrigir, quando não corrigir , a correção informativa;
·         A avaliação da aprendizagem é também a avaliação do trabalho do professor ( o ensino deve ser planejado e replanejado em função  das aprendizagens conquistadas ou não);
·         Os que não vão bem devem receber ajuda pedagógica (as dificuldades precisam ser rapidamente detectadas para que as crianças sejam apoiadas, continuem progredindo e não desenvolvam bloqueios);
·         Formação permanente pressupõe estudo e reflexão contínuos;
·         Tematização do que ocorre na sala de aula;
·         Registro do trabalho por parte do professor (escrever para comunicar uma reflexão sobre o que se fez na prática profissional obriga a organizar as idéias, o que pressupõe documentos que em muito superam os diários de classe);
·         Por ser este um tempo de transformações cada vez mais radicais, por ser cada vez mais inviável os métodos de ensino que pressupõe o aprendizado como a aquisição de conhecimento ( quando o que se dá é a construção dele por parte do indivíduo que aprende), por ser o construtivismo um modelo de ensino baseado em pesquisas idôneas e das mais diversas áreas, entre outros é que se faz necessária  a leitura desse livro, pelo convite à inteligência ao novo.

sobre O Aprendizado de Pequena Árvore


O argumento corrente é que a diversidade, o convívio entre diferentes é o que de melhor pode haver, devido ao potencial criativo que as diferentes etnias, com suas diferentes cosmologias, cultura e modos de ver e viver no mundo podem mobilizar quando em interação.
Mas não é qualquer interação que mobiliza o diálogo entre os potenciais criativos dos diferentes povos, grupos culturais ou etnias. O convívio dos diferentes sem a correta percepção de que a diferença não implica em inferioridade pode acarretar em estrangulamento de toda a individualidade, criatividade, autoestima, apreço pela vida e até mesmo das limitações das habilidades interpessoais.
Não se pode dizer que Pequena Árvore tenha sido prejudicado nas quatro primeiras características apontadas. Quem assistiu ao filme ou leu o livro que conta sua história percebeu como a convivência com o vovô, a vovó e o índio amigo da família fizeram dele uma criança especial, profundamente inteirada do papel da Natureza em sua vida; de como os valores dos avós calaram fundo em sua alma. Mas por ser mestiço, metade cherokee, metade branco, sofreu na pele a discriminação e o desrespeito com que seu povo fora tratado. Ele experienciou o melhor e o pior de cada cultura. Do povo branco ele teve o privilégio de conhecer o grande escritor que foi Shakespeare: com seis anos e antes de ser alfabetizado, ele teve o privilégio de ouvir a leitura de peças dele, feitas em voz alta pela vovó. Mas também teve de ouvir da boca dos avós toda a verdade de como o homem branco tratou o seu povo, de como este lutou até não poder mais pela sua liberdade, de como arrancaram-no de suas terras, de como os fizeram andar até outra terra menos fértil, de como pais, esposos e filhos carregaram os corpos de seus entes queridos já mortos porque os soldados se recusavam a perder tempo, esperando enquanto estes eram  enterrados. Mesmo os brancos mais pobres julgavam-se superiores aos cherokees: quando Pequena Árvore contou à avó que conhecera uma menina pobre e de pés descalços, ela penalizada, confeccionou um par de mocassins para ele. Mas o pai da menina, ao vê-la com num calçado indígena, não só bateu nela como a fez devolver o presente.
Vovô explicou ao garoto que o orgulho era tudo o que o homem pobre tinha. E ele estava certo, somente o orgulho, a falsa impressão de superioridade é que de fato empobrece um homem, um povo, uma civilização. Os remanescentes dos cherokees que viviam nas montanhas eram capazes de acordar antes do sol para ouvi-lo dialogar com a Mãe Terra. Não temiam a morte, acreditavam e diversas vidas. Só matavam o que precisavam e dividiam o que conseguiam coletar, plantar ou caçar. Não eram avaros, nem gananciosos. Mas eram tidos como selvagens pelos não-índios e por isso os do governo vieram e levaram Pequena Árvore para uma escola católica. Lá, ele foi espancado por ter dito que os animais da ilustração estavam em época de acasalamento. Para a professora falar em acasalamento era obceno. Enquanto apanhava até sangrar, pequena Árvore acionou a segunda mente, para não sentir a dor. E toda noite, ele ia até a janela conversar com as estrelas, pedir a elas que avisassem ao vovô que ele não estava feliz e que queria muito voltar para casa, para as montanhas. As estrelas fizeram o seu trabalho direitinho porque um dia que mais pareceu um sonho foram buscar Pequena Árvore.
Publicado pela Record, é um livro comovedor, de leitura indispensável. Pena que o menino da capa não se parece em nada com um indiozinho. E embora esteja escrito na primeira capa que o livro é tão belo quanto O pequeno Príncipe, ele é muito mais belo porque trata das grandezas e pequenezas humanas, tão reais e tão próximas de cada um de nós.
Vovô e vovó já eram velhos quando foram buscar Pequena Árvore, quando seus pais morreram. Por isso ele só pôde viver poucos anos com eles. É comovente quando os dois se vão e ele ainda menino caminha sozinho em direção à cidade, deixa as montanhas e segue sozinho pela vida. Essa história, que é real foi escrita pelo menino que um dia foi Pequena Árvore. E há tanta sensibilidade no modo como cada palvra foi grafada, que é impossível perceber como doeu nele a dor da perda daqueles dois seres tão especiais. Não dá para não ler. Da Record

sobre Liberté, filme francês


Filme comovente. Fotografia belíssima. A Europa está em plena Segunda Guerra Mundial, mas os ciganos não parecem se dar conta do horror que paira sobre suas cabeças. São nômades, vivem do perambular pelos países europeus: Espanha, França, Bélgica. Não somente os judeus, mais negros, homossexuais e ciganos também foram vítimas do ódio ariano. Antes da guerra, viviam mais de dois milhões de ciganos em toda a Europa. Os nazistas eliminaram de 250 a 500 mil deles. O filme documenta de uma forma difícil de descrever (sensível, poético, humano) a vida de uma família deles. Enquanto a câmera registra suas perambulações, sua fome, sua alegria, sua música, seu senso de grupo de família, seus valores, vamos nos dando conta que sabemos bem pouco deles, que nosso imaginário preenchido com as canções do Gipsy Kings – encantadoras é preciso frisar - , precisa ser ampliado.
São divertidos, são festivos, são unidos. E não estão inteiramente alienados, sabem de alguns dos riscos que correm. Por isso portam cadernetas que são constantemente apresentadas às prefeituras dos lugares em que acampam. E recobrem os cascos e as rodas das carroças com tecidos para não serem ouvidos pelos alemães que patrulham as florestas.
Os franceses simples, os do povo os temem. Tudo neles lhes é diverso: a cor dos cabelos, da pele, das roupas, a língua, os costumes. São tidos como ladrões. Mas não todos. A professora (inspirada numa combatente da resistência francesa) recoloca cuidadosamente a folha seca que um dos ciganos traz em seus documentos (recordação de uma pessoa, um momento ou um lugar?). É ela quem vai ao acampamento deles convencer os adultos a deixarem que suas crianças frequentem a escola para aprenderem a ler e a escrever. É também ela quem vai com o prefeito buscá-los num dos campos em que são confinados os ciganos que insistiram em viajar, desobedecendo a uma lei francesa. Lugares assim tornaram fácil aos alemães deportá-los posteriormente para os campos de extermínio.
O prefeito, depois de ter sido socorrido por eles quando atacado por um cavalo enlouquecido, manda-lhes comida, dá-lhes uma casa para morar e empreende com eles uma amizade baseada na tolerância, na paciência e na sabedoria, a de ver no outro mais que aquilo que nos causa estranhamento (eles puseram estrume na mordida e entoaram orações fervorosas em prol dele e da égua desfalecida, um momento inesquecível: quem é que ora por um animal e por um estranho? Quanta grandeza em pessoas tão simples, de quem se pensa coisas tão diversas!).
A casa é para que não partam e para que não sejam presos. Estão ali apenas para a colheita da uva. Mas um francês – e fico me perguntando quantos franceses lucraram com a ocupação alemã, quantos desse povo tão admirado agiu em conluio com os interesses e baixezas nazistas – leva-lhes os cavalos. Um de seus capangas encosta o cano da arma na cabeça de uma velha cigana. Como ser capaz de tais atos? Ganância e preconceito são as doenças para as quais ainda não foi encontrada a cura e sob as quais as potências nacionais e humanas têm sucumbido. Até quando e a que preço?
Os guardas franceses são ríspidos, arrancam-os do sono em plena madrugada para conferirem as tais cadernetas e seus respectivos carimbos. Arrastados a um acampamento, são resgatados pela professora e o prefeito.
São tão poucos os que os veem como portadores dos mesmos direitos! E ainda assim, os ciganos permanecem na sua grandeza. São leais: não partem sem que todos os membros do grupo estejam juntos; são humildes: aceitam pagamento para tocarem para galinhas que não botam seus ovos; são pacíficos: ‘os ciganos não fazem guerra’, diz um deles quando o prefeito lê para eles a lei que os proíbe de viajar.
A beleza do filme é justamente resgatar um dos grupos vitimados do genocídio da Segunda Guerra, é desmistificar os estereótipos que ainda permeiam as mentes, tantos anos depois. Todo grupo étnico tem sua cultura, sua beleza, sua riqueza, seu jeito de lidar com a vida. E conhecê-los, e interagir com eles, potencializa as mesmas características em nós.
Trazer à público o cotidiano de uma família pertencente a esse grupo étnico, visto como preguiçoso, perigoso e ladrão faz desse filme imperdível, embora dolorido de ver, porque já se sabe do que lhes vai ocorrer. É essa a sua mensagem maior: impossível a passividade diante da injustiça e da destruição daquilo que aprendemos a conhecer a e a admirar. Talvez aí resida a nossa cura.
Essa obra de arte eu vi num dos canais da HBO.

sobre O príncipe das trevas, de Jean Plaidy


Este, que é o quarto volume da saga histórica escrita por Jean Plaidy, que retrata a trajetória da dinastia Plantageneta, uma das mais poderosas que governou a Inglaterra do século XII ao XV, que antecedeu os Tudors, apresenta-nos o Príncipe das trevas, assim nomeado o príncipe João pelo povo inglês, o irmão mais novo de Ricardo Coração de Leão, também contemplado com um volume da série.
Para quem não se lembra, o João aqui contemplado é aquele rei que quebra a palavra empenhada na última versão de Robin Hood, de Ridley Scott, estrelado por Russell Crowe, Cate Blanchett e outros.
Pela linhagem João jamais seria rei, já que tinha irmãos mais velhos. O primogênito dos irmãos tinha um filho homem e Ricardo, o segundo mais velho era o mais talhado para governar o país, muito parecido com o pai. Mas o mais velho morreu e Ricardo foi lutar em terras estrangeiras durante as cruzadas (o que significou aumento de impostos). Ricardo foi capturado e ficou um bom tempo aguardando ser resgatado por meio do pagamento de um resgate (mais impostos). Quando libertado e a caminho de casa, morreu em solo francês. E foi assim que João conseguiu a coroa. Claro, havia o sobrinho, mas ele era ainda jovem e de sangue francês e a França estava em vias de atacar a Inglaterra. Os barões não queriam um senhor francês, por isso não se opuseram com a subida de João ao trono.
Para quem gosta de narrativas recheadas de tramas, mentiras, traição, sexo e morte, esta é uma leitura imperdível, com a diferença de que é tudo verdade... João foi um tirano capaz do que de mais terrível: para não perder a coroa tramou e levou a cabo a morte do sobrinho em pleno solo da França. Para garantir o apoio dos barões sequestrou seus filhos e os manteve em seu castelo. A senhora que recusou entregar os filhos morreu de fome, acorrentada a um deles numa cela fria de uma masmorra. João tinha atração por meninas e chegou a se casar com uma de 12 anos. A uma outra menina, filha de um poderoso barão, ele raptou. Com a recusa dela em se deitar com ele, ordenou que a envenenassem e a entregou morta à família. Os pais dela se tornaram os seus mais ferrenhos adversários. Houve vez em que, em visita a um de seus barões, avisou-o durante o jantar que passaria a noite com a esposa dele. Esta, ao ser comunicada pelo marido, teve um plano: embebedaram-no, banharam, perfumaram e vestiram uma prostituta e o puseram numa cama com ela, que de tão bêbado não notou a diferença...
João tinha ataques de ira se contrariado, rolava no chão, urrava. Com o Papa e a Igreja, para quem não queria se submeter, teve vários conflitos.
O certo é que os abusos do rei fizeram com que os barões se unissem em torno de uma carta de direitos, assinada pelo pai de João e seus barões, carta essa esquecida (e escondida, já que nela o rei-pai concordava em atender reivindicações dos nobres). Sendo assim, nossa história está intimamente ligada à da Inglaterra, pois a constituição que nos rege e suas antecessoras são frutos das primeiras constituições inglesas, que por sua vez nasceram das insurgências da nobreza inglesa, já farta dos excessos dos reis.
Boa leitura, que confere entretenimento, mas também conhecimento. É pena que a editora não divulgue essa série, bem escrita e instrutiva.

Da editora Bestbolso

sobre o livro Santo Antônio - o santo do amor, escrito por Fernando Nuno


Para leitores de textos literários, gênero que possui características difíceis de conceituar, mas fáceis de se perceber já nas primeiras páginas, pode ser difícil engajar-se na leitura de biografias,que na maioria das vezes são escritas por jornalistas, versados na escrita de textos informativos, mas com pouco fôlego para a escrita de textos narrativos, salvo as exceções, há jornalistas que trabalham nas duas frentes: o literário e o informativo, mas os que o fazem com mestria são poucos. Por isso, nem toda biografia é fácil de ser lida e o que mantém o leitor firme no seu propósito de conhecer o biografado resulta mais na sua curiosidade ou admiração pela pessoa biografada do que as qualidades literárias do texto. E se o texto não tiver sido escrito de modo linear levá-la a termino pode ser um dos trabalhos de Hércules. Exemplo a ser citado é uma biografia sobre James Brown com que presenteei um amigo. Ele desistiu da leitura, pois a mesma ia e voltava no tempo, citando fatos da vida do cantor, fatos históricos da América, ações dos do movimento pelos direitos civis... Não é que o texto não tivesse seu valor, o moço, pouco ambientado ao estilo do escritor, pouco identificado com os problemas do negro norte-americano e com a história daquele país não conseguiu ser fisgado pela narrativa.
 A história é quase a mesma com este livro de muitas páginas sobre a existência de Santo Antônio. Embora escrito de forma linear, abunda em fatos históricos e por vezes, durante a leitura da primeira metade do livro, o biografado fica em segundo plano em face das ambições e vícios da Igreja e dos Cruzados.
Mas, a partir de um certo ponto, fica-se compreendendo por que o autor optou por se esmerar em ilustrar de modo tão preciso ( o que deve ter consumido muito tempo de pesquisa) o ambiente em que o rapaz, de origem nobre viveu. Ele fez o que poucos seriam capazes de fazer mesmo nos dias de hoje: não confundiu a Igreja Católica com os homens que a presidiram. Foi um religioso a serviço de um ideal de Igreja há muito esquecido, em meio à riqueza, à pompa e o poder político que a mesma conquistou. E se valeu de sua erudição e eloqüência para reformá-la de dentro. Seus discursos eram capazes de despertar a consciência de poderosos. Pode-se dizer que foi dono de uma inteligência emocional e habilidades interpessoais ímpares, não granjeou inimigos, apesar de seus discursos revelarem os vícios dos homens da Igreja. Mesmo São Francisco de Assis, pouco afeito aos livros, autorizou Antônio a levá-los para sua ordem na ocasião de seu ingresso nela. Assim como os franciscanos fez voto de pobreza e é daí que vem sua fama de santo casamenteiro. Ao receber um pedido de auxílio de uma noiva com poucas posses, juntou as doações que recebera e jogou-as no quarto da moça, ajudando-a a conseguir o dote necessário para o casamento.

Também fez milagres. Pregou aos peixes de um rio, próximo a um dos povoados ao qual fora enviado a pregar. Naquela época, vários movimentos cristãos contrários à Igreja e questionadores de seus hábitos surgiram na Europa e Antônio atuou como um braço não armado da Igreja, que já havia incorrido no uso da força armada para esmagar movimentos opositores.

Homem corajoso e bom, adepto ao jejum e às penitências, foi um grande devoto de Nossa Senhora Aparecida. Escreveu, ensinou e pregou até os últimos momentos de vida. Minutos antes de sua morte, contam que ele viu a imagem do menino Jesus. Quando morreu, teve seu corpo enterrado às escondidas porque o povo queria parte de seu corpo, que acreditavam seria milagroso.
 Ao término da leitura fica claro que o autor optou por detalhar tão minuciosamente o período em que o santo viveu para que o leitor pudesse compreender melhor o homem e que projeto de Igreja e de servidor dela ele teve.
Publicado pela Objetiva

sobre Admirável mundo novo, de Aldous Husley


Ficção científica é o gênero ao qual costumam associar essa obra de Aldous Huxley e não há erro nessa classificação. Nela anteviu-se no que se transformaria e no que seria capaz a sociedade ocidental, para não dizer planetária. Em 1932 esse autor inglês publica essa, que teve por objetivo denunciar os aspectos desumanizadores do progresso. Teria o autor desejado alertar sua época dos riscos a que corria a humanidade devido as opções por ela escolhidas? Se tivesse ambientado o seu protesto num espaço semelhante ao que vivia teria alcançado o mesmo efeito? Por que ambientar sua narrativa no futuro? Para mostrar os efeitos nocivos da ideologia por trás dos usos dos avanços científicos e do consequente desenvolvimento material a longo prazo. Mas também é possível que tenha optado por um cenário futurista para causar maior impacto.  O certo é que, visionário que era, previu que os bebês seriam fabricados em laboratórios, previu que haveria drogas capazes de suprimir as emoções não digeridas ou incompreendidas. Previu que as crianças seriam desde o berço condicionadas a não se interessar pela natureza e nem pelos livros, que aprenderiam a se conformar com as castas, com a pobreza, com o trabalho pesado, com a privação de recursos que os fariam desenvolver-se. Que haveria quem aprendesse a tolerar viver sob o signo da ignorância, da torpeza, da sujeira. E que de modo inverso, haveria quem fosse ensinado a se julgar superior:

“O serviço dos angares era feito por um só grupo Bokanovisky e aqueles homens eram gêmeos, identicamente negros e horrorosos. Bernard dava suas ordens no tom brusco, um pouco arrogante e até ofensivo de quem não está muito certo de sua superioridade.”

Mas uma observação mais atenta evidencia os mesmos ares da primeira metade do século vinte e infelizmente, não muito distante da primeira década do século XXI. Sob uma superfície diversa dos tempos em que o autor vivia, por trás das máquinas, dos ambientes higienizados, por trás das roupas futuristas há as mesmas Europa e América do Norte dos tempos de Aldous: gente mais afeita às compras que ao desenvolvimento do espírito:
Não se pode consumir muita coisa se fica sentado lendo livros.”

O olhar de superioridade dos de lá (Europa e EUA) em relação aos de cá: no livro os que moram na região a que chamamos América Latina são tidos como selvagens. E mais:

·         A consciência da individualidade como um estado penoso.
“... percebera de súbito que o esporte, as mulheres, as atividades comunais não eram, no que lhe dizia respeito, senão coisas de secundária importância. Não sabia pelo que se interessava.”
·         Soma: a droga distribuída pelo governo: fuga do que não se consegue controlar ou compreender;
“Com um centímetro cúbico se curam dez centímetros lúgubres.”
·         A obrigação de ser de todos: sexo sem compromisso;
·         A eliminação de quem ousa criar formas alternativas de viver:
“Oitocentos adeptos da vida simples foram ceifados pelas metralhadoras em Golders Green (como em Canudos)
  • Obrigatoriedade de se fazer o que todos fazem;
  • Sociedade estratificada;
  • Quem vive entre os selvagens não é tido como igual, mesmo que oriundo da mesma sociedade:
“As pessoas das mais altas castas estavam decididas a não ver Linda.”

Há muitos outros aspectos da obra que, ora apontam para as conquistas científicas e materiais, ora apontam os mesmos comportamentos de uma humanidade acometida dos mesmos vícios há séculos: cobiça, apego aos prazeres fáceis e efêmeros, incapacidade de ver além da aparência, irracionalidade e violência frente a um outro diverso e por isso considerado inferior.
Mas o que demais belo nessa obra é a referência ao tradicional, ao clássico como a essência da humanidade que não fenece e que é capaz de conceder ao homem a verdadeira superioridade que lhe falta.  Aldous escolhe como símbolo do que não morre e que por isso capaz de vivificar a humanidade adoecida o seu retorno às origens clássicas encarnadas na obra de Shakespeare. Na narrativa, um velho exemplar das Obras completas de William Shakespeare, “um livro grosso, que parecia muito antigo, a encadernação tinha sido ruída pelos ratos, algumas páginas estavam soltas e amarrotadas” é encontrada por um mestiço, filho de uma mulher oriunda da mesma sociedade civilizada, mas criado entre os selvagens. É nesse livro que o menino se alfabetiza e é de acordo com o que leu nela que ele enxerga e compreende o mundo em que vive e o novo mundo para o qual é levado, quando descoberto. Para os que o recebem no novo mundo ele é ou objeto a ser analisado (cientistas) ou animal a ser visto numa jaula, uma atração cultural (sociedade em geral).
A partir do surgimento do jovem na trama, somos abençoados com trechos de obras do bardo inglês como A tempestade, Júlio César, Troilo e Cressida, Otelo, Timão de Atenas, O rei Lear, Medida por medida... proferidos pelo garoto a cada nova situação vivida, a cada diálogo que ele estabelece com as pessoas que se aproximam dele. Ele é na verdade um Hamlet em conflito consigo mesmo e com um mundo que ele não compreende e do qual não consegue se desligar. É fato que quem já conhece as obras do dramaturgo inglês é capaz de fazer uma leitura muito mais profunda desse outro clássico inglês, mas mesmo quem não as conhece não sairá dela ileso. Livro bom é aquele que nos auxilia na nomeação do que sentimos, do que almejamos, dos lugares e das pessoas onde e com as quais convivemos. A leitura de certos livros nos confere lentes com as quais podemos enxergar se não melhor ao menos de modo diferenciado o mundo, e dessa leitura nos distinguimos, conferimos a nós mesmos uma identidade única. Infelizmente, há quem se aproxime de obras com esse potencial, mas que não conseguem chegar à sua essência (sua e dos livros), como os ratos que roeram o exemplar referido em Admirável mundo novo. Que não sejamos como tais. Da Editora Globo