Este é um livro escrito por um professor que aprendeu a amar os livros
com outros professores, a despeito da incapacidade da escola de manter o brilho natural que o texto literário possui.
É fato que as práticas escolares esvaziam o texto de toda a sua magia e a
capacidade de despertar nas crianças e jovens a curiosidade por ele. Tudo
porque na escola ler se torna um dever, “Você tem que ler”, é a frase corrente
entre professores da língua materna e dos pais, todos preocupados em fazer com
que a infância e a juventude adquiram a bagagem cultural necessária ao sucesso
neste mundo mais facilmente decifrável àquele que domina a linguagem escrita:
saber ler é então fundamental para o desenvolvimento do cognitivo, do potencial
criativo, da capacidade imaginativa e avaliativa( ou criticidade), da solução
de problemas, para citar apenas alguns dos benefícios do contato íntimo,
intenso e progressivo com a palavra escrita.
Mas todos esses argumentos não funcionam com a criança e o adolescente.
Eles não estão preocupados com o futuro, o que os atrai na literatura é a
capacidade que ela tem de fazer com que experienciem intensamente das emoções
já conhecidas e outras insuspeitas a abrigadas em seus íntimos. Crianças e jovens são mais emocionais que
racionais. Adoram histórias, gostam de se projetar para mundos outros, gostam
de se identificar com personagens possuidores de poderes diversos daqueles
presentes no cotidiano. Não é à-toa que admiram o parente ou professor que
difere dos seres humanos comuns... No entanto, professores e escola esquecem-se
desses fatos e insistem no “têm que ler” e ao escolherem livros que pouco têm a
ver com as características e gostos infantojuvenis, ao estabelecerem trabalhos,
provas, fichas de leitura, acabam por colherem muito poucos leitores
apaixonados pelo livro.
Essa é uma das teses que o professor e escritor Daniel Pennac defende em
seu livro Como um romance. E porque sabe que há nos professores uma certa
aversão por textos áridos, carregados de carga teórica e fria, tão próprios aos
textos científicos, optou por um estilo de escrita muito próximo ao do
literário, o que lhe conferiu não só coerência como também sucesso ao tratar da
didática da leitura de textos literários em sala de aula.
Começa relatando um evento corrente em todos os lares e escolas
ocidentais: pais e professores que no início da infância e escolarização da
criança leem para elas, mas que, mal essas começam a decifrar a palavra
escrita, deixam-nos à própria sorte com o livros, esquecidos das dificuldades e
da lentidão presentes no domínio das palavras, frase e períodos, que possuem
graus de dificuldade de compreensão devido à grafia, sentidos, contextos,
vocabulários entre outros. Quando o pai, mãe ou a professora liam, dava-se por
encanto a magia, oriundos dos tons de voz, expressões faciais, gestos... Então
como num passe de mágica, mal iniciada a leitura, as cortinas do imaginário
infantil se abriam e na tela da mente era possível vivenciar o medo, a tensão,
a alegria a vitória dos personagens preferidos. Mas depois de algum tempo, a
hora da estória na escola ou em casa são substituídos pela hora da lição. E a
leitura deixa de ser encanto para ser obrigação. “Lê pra mim?“ “Não você já
sabe ler”. Depois de algumas tentativas, repletas de gaguejos e tropeços,
seguidos de cansaço e frustração, o livro é deixado de lado.
Com o jovem é quase o mesmo, diz o autor. Ele tem que ler tantas páginas
até o dia tal para a prova do dia tal. Ele se tranca no quarto para ler. O
livro tem muitas páginas e nenhuma ilustração. “Tenho que ler” Horas depois, só
umas poucas páginas lidas, vem com o cansaço a constatação: “Não vou conseguir
ler tudo isso a tempo.”
Como superar esse problema? Como cativar novos leitores? Para Daniel, é
simples: basta ler para eles, não importa se criança ou jovens, ler para eles
em voz alta, até que curiosos para saber quais os próximos eventos da trama
peguem no livro e se enveredem por suas páginas, caminhem entre os livros
sozinhos.
Para Daniel, a leitura é uma prática social que não se dá pela obrigação,
mas pela necessidade, gosto ou curiosidade. E inseri-la na vida dos infantes e
jovens por vieses que não esses é o mesmo que inviabilizar o surgimento de
novos leitores. Sendo assim, a escolha do título a ser lido para eles é de
vital importância. Escolher a dedo o que será lido, para que queiram o livro
como quem quer água quando com sede. Acha isso impossível? Títulos como A bruxa
Salomé, O Mago, o Horrível e o livro de feitiçaria, O Menino Maluquinho (para
crianças), para citar apenas alguns ou Os pequenos guardiões, A hora da
vingança, os diários, Comédias para se ler na escola (para jovens), costumam
agradar em cheio.
Oferecer um livro ou a leitura dele como quem oferece um prato especial
num almoço ou jantar de uma data especial a um candidato ilustre, essa a
proposta de Como um romance. Mas numa escola projetada para as massas, que não
considera a diversidade e a individualidade de cada ser que recebe, e que
muitas vezes faz o mesmo com seus profissionais, é quase uma missão impossível.
Só uns poucos bravos, a despeito de toda a engrenagem, cumprem-na.
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