Neste livro, Telma vai contando à entrevistadora como foi se delineando
nela a professora reflexiva, profundamente engajada na construção de um modelo
de ensino que leva em conta o saber dos excluídos, que enxerga neles sujeitos
capazes de aprender, que busca conhecer e se aproximar dos saberes quanto a
como o ser humano aprende e que delineia a partir desse posicionamento e desses
saberes modos de ensinar, modos de intervir na escola. Esse livro, que resulta
de extenso material gravado e de outros registros, bem como da colaboração de
ex-alunas de Telma, tem sido referência em cursos de formação permanente e
presença constante na bibliografia de concursos públicos para professores. É um
livro que funciona muito bem como primeira leitura daqueles que estão ingressando
nos cursos de Pedagogia, na Educação ou que queiram, por serem professores de
redes de ensino que optaram pelo modelo sócio-interacionista de ensino, saber
do que se trata esse modelo, seus pressupostos teóricos e políticos, e isso não
por meio da leitura de textos técnicos, densos e frios, mas por meio de uma
leitura que em muito se assemelha com uma conversa. Por que é esta a
característica maior desse texto, cuja linguagem é tão viva, íntima e
apaixonada quanto um bate-papo com um Mestre, justamente aquele que de tanto
saber, adquiriu a humildade daqueles que têm prazer em servir, em compartilhar
suas descobertas, sonhos e metas.
O que distingue essa professora que hoje dá formação a outras professoras
é o olhar sensível. Ela percebeu aspectos do ensinar, da escola e do grupo que
esta atende que para muitos outros profissionais da educação passam
despercebidos, como:
·
As escolas deixam para professores iniciantes as
classes compostas por crianças que mais precisam de intervenção especializada.
·
Os repetentes são os mais pobres ou de pele não
clara.
·
Crianças que trabalham na rua vendendo doces são
exímias ao realizarem cálculos mentais que envolvam o troco, mas não sabem
resolver os problemas propostos pela escola. Esta por sua vez não busca criar nexos
entre o saber dessas crianças e o saber por ela ensinado, taxando-as de
incapazes de aprender.
·
As crianças que “demoram” para adquirir a
compreensão de como se escreve já têm hipóteses sobre como esta se dá e
escrevem de acordo com elas. Não é que não saibam escrever, elas não se
apropriaram do modo padrão da escrita. Quando a escola diz ”ele não aprende”
exime-se do seu compromisso de criar soluções para este problema que não é só
da criança, é também dela.
Para melhor agir, para compreender como a criança aprende, a autora leu
textos de Piaget em
francês. Quantos professores se disporiam a tal?
Essa opção de ser vem da opção de não ser uma presença neutra no mundo,
mas de ser um agente transformador dele. É sem dúvida um posicionamento
político e ideológico oriundo da consciência da não adaptação nos modos de ser
da sociedade e do mundo, e sim da transformação dele.
Mais que a natureza da linguagem, o que também distingue esse livro dos
demais que tratam do mesmo tema é o fato d estabelecer com o leitor uma
interlocução com quem está produzindo teoria a partir do cotidiano da sala de
aula. Há nele a análise e a reflexão a partir da experiência observada e sala
de aula. No capítulo um ela conta como deu início a sua trajetória de
educadora. Do capítulo dois ao quatro ela conceitua o construtivismo e
esclarece alguns equívocos sobre ele. Do capítulo cinco ao oito ela discorrre
sobre tópicos tais como:
·
O porquê de não ser possível formular receitas
prontas para serem aplicadas a quaisquer grupos de alunos (“a prática
pedagógica é complexa e contextualizada”);
·
Para mudar é preciso reconstruir toda a prática
a partir de um novo paradigma teórico;
·
A organização da tarefa garante a máxima
circulação de informação possível (“o conhecimento avança quando o aprendiz
enfrenta questões sobre as quais ainda não havia parado para pensar”);
·
O conteúdo trabalhado deve manter suas
características de objeto sociocultural real (leitura e escrita de textos reais
x escrita de redações sem destinatários reais que não o professor);
·
Quando corrigir, quando não corrigir , a
correção informativa;
·
A avaliação da aprendizagem é também a avaliação
do trabalho do professor ( o ensino deve ser planejado e replanejado em função das aprendizagens conquistadas ou não);
·
Os que não vão bem devem receber ajuda
pedagógica (as dificuldades precisam ser rapidamente detectadas para que as
crianças sejam apoiadas, continuem progredindo e não desenvolvam bloqueios);
·
Formação permanente pressupõe estudo e reflexão
contínuos;
·
Tematização do que ocorre na sala de aula;
·
Registro do trabalho por parte do professor
(escrever para comunicar uma reflexão sobre o que se fez na prática
profissional obriga a organizar as idéias, o que pressupõe documentos que em
muito superam os diários de classe);
·
Por ser este um tempo de transformações cada vez
mais radicais, por ser cada vez mais inviável os métodos de ensino que
pressupõe o aprendizado como a aquisição de conhecimento ( quando o que se dá é
a construção dele por parte do indivíduo que aprende), por ser o construtivismo
um modelo de ensino baseado em pesquisas idôneas e das mais diversas áreas,
entre outros é que se faz necessária a
leitura desse livro, pelo convite à inteligência ao novo.
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