domingo, 3 de junho de 2012

sobre O Aprendizado de Pequena Árvore


O argumento corrente é que a diversidade, o convívio entre diferentes é o que de melhor pode haver, devido ao potencial criativo que as diferentes etnias, com suas diferentes cosmologias, cultura e modos de ver e viver no mundo podem mobilizar quando em interação.
Mas não é qualquer interação que mobiliza o diálogo entre os potenciais criativos dos diferentes povos, grupos culturais ou etnias. O convívio dos diferentes sem a correta percepção de que a diferença não implica em inferioridade pode acarretar em estrangulamento de toda a individualidade, criatividade, autoestima, apreço pela vida e até mesmo das limitações das habilidades interpessoais.
Não se pode dizer que Pequena Árvore tenha sido prejudicado nas quatro primeiras características apontadas. Quem assistiu ao filme ou leu o livro que conta sua história percebeu como a convivência com o vovô, a vovó e o índio amigo da família fizeram dele uma criança especial, profundamente inteirada do papel da Natureza em sua vida; de como os valores dos avós calaram fundo em sua alma. Mas por ser mestiço, metade cherokee, metade branco, sofreu na pele a discriminação e o desrespeito com que seu povo fora tratado. Ele experienciou o melhor e o pior de cada cultura. Do povo branco ele teve o privilégio de conhecer o grande escritor que foi Shakespeare: com seis anos e antes de ser alfabetizado, ele teve o privilégio de ouvir a leitura de peças dele, feitas em voz alta pela vovó. Mas também teve de ouvir da boca dos avós toda a verdade de como o homem branco tratou o seu povo, de como este lutou até não poder mais pela sua liberdade, de como arrancaram-no de suas terras, de como os fizeram andar até outra terra menos fértil, de como pais, esposos e filhos carregaram os corpos de seus entes queridos já mortos porque os soldados se recusavam a perder tempo, esperando enquanto estes eram  enterrados. Mesmo os brancos mais pobres julgavam-se superiores aos cherokees: quando Pequena Árvore contou à avó que conhecera uma menina pobre e de pés descalços, ela penalizada, confeccionou um par de mocassins para ele. Mas o pai da menina, ao vê-la com num calçado indígena, não só bateu nela como a fez devolver o presente.
Vovô explicou ao garoto que o orgulho era tudo o que o homem pobre tinha. E ele estava certo, somente o orgulho, a falsa impressão de superioridade é que de fato empobrece um homem, um povo, uma civilização. Os remanescentes dos cherokees que viviam nas montanhas eram capazes de acordar antes do sol para ouvi-lo dialogar com a Mãe Terra. Não temiam a morte, acreditavam e diversas vidas. Só matavam o que precisavam e dividiam o que conseguiam coletar, plantar ou caçar. Não eram avaros, nem gananciosos. Mas eram tidos como selvagens pelos não-índios e por isso os do governo vieram e levaram Pequena Árvore para uma escola católica. Lá, ele foi espancado por ter dito que os animais da ilustração estavam em época de acasalamento. Para a professora falar em acasalamento era obceno. Enquanto apanhava até sangrar, pequena Árvore acionou a segunda mente, para não sentir a dor. E toda noite, ele ia até a janela conversar com as estrelas, pedir a elas que avisassem ao vovô que ele não estava feliz e que queria muito voltar para casa, para as montanhas. As estrelas fizeram o seu trabalho direitinho porque um dia que mais pareceu um sonho foram buscar Pequena Árvore.
Publicado pela Record, é um livro comovedor, de leitura indispensável. Pena que o menino da capa não se parece em nada com um indiozinho. E embora esteja escrito na primeira capa que o livro é tão belo quanto O pequeno Príncipe, ele é muito mais belo porque trata das grandezas e pequenezas humanas, tão reais e tão próximas de cada um de nós.
Vovô e vovó já eram velhos quando foram buscar Pequena Árvore, quando seus pais morreram. Por isso ele só pôde viver poucos anos com eles. É comovente quando os dois se vão e ele ainda menino caminha sozinho em direção à cidade, deixa as montanhas e segue sozinho pela vida. Essa história, que é real foi escrita pelo menino que um dia foi Pequena Árvore. E há tanta sensibilidade no modo como cada palvra foi grafada, que é impossível perceber como doeu nele a dor da perda daqueles dois seres tão especiais. Não dá para não ler. Da Record

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