O argumento corrente é que a diversidade, o convívio entre diferentes é o
que de melhor pode haver, devido ao potencial criativo que as diferentes
etnias, com suas diferentes cosmologias, cultura e modos de ver e viver no
mundo podem mobilizar quando em interação.
Mas não é qualquer interação que mobiliza o diálogo entre os potenciais
criativos dos diferentes povos, grupos culturais ou etnias. O convívio dos
diferentes sem a correta percepção de que a diferença não implica em
inferioridade pode acarretar em estrangulamento de toda a individualidade,
criatividade, autoestima, apreço pela vida e até mesmo das limitações das
habilidades interpessoais.
Não se pode dizer que Pequena Árvore tenha sido prejudicado nas quatro
primeiras características apontadas. Quem assistiu ao filme ou leu o livro que
conta sua história percebeu como a convivência com o vovô, a vovó e o índio
amigo da família fizeram dele uma criança especial, profundamente inteirada do
papel da Natureza em sua vida; de como os valores dos avós calaram fundo em sua
alma. Mas por ser mestiço, metade cherokee, metade branco, sofreu na pele a
discriminação e o desrespeito com que seu povo fora tratado. Ele experienciou o
melhor e o pior de cada cultura. Do povo branco ele teve o privilégio de
conhecer o grande escritor que foi Shakespeare: com seis anos e antes de ser
alfabetizado, ele teve o privilégio de ouvir a leitura de peças dele, feitas em
voz alta pela vovó. Mas também teve de ouvir da boca dos avós toda a verdade de
como o homem branco tratou o seu povo, de como este lutou até não poder mais
pela sua liberdade, de como arrancaram-no de suas terras, de como os fizeram
andar até outra terra menos fértil, de como pais, esposos e filhos carregaram
os corpos de seus entes queridos já mortos porque os soldados se recusavam a
perder tempo, esperando enquanto estes eram
enterrados. Mesmo os brancos mais pobres julgavam-se superiores aos
cherokees: quando Pequena Árvore contou à avó que conhecera uma menina pobre e
de pés descalços, ela penalizada, confeccionou um par de mocassins para ele.
Mas o pai da menina, ao vê-la com num calçado indígena, não só bateu nela como
a fez devolver o presente.
Vovô explicou ao garoto que o orgulho era tudo o que o homem pobre tinha.
E ele estava certo, somente o orgulho, a falsa impressão de superioridade é que
de fato empobrece um homem, um povo, uma civilização. Os remanescentes dos
cherokees que viviam nas montanhas eram capazes de acordar antes do sol para
ouvi-lo dialogar com a Mãe Terra. Não temiam a morte, acreditavam e diversas
vidas. Só matavam o que precisavam e dividiam o que conseguiam coletar, plantar
ou caçar. Não eram avaros, nem gananciosos. Mas eram tidos como selvagens pelos
não-índios e por isso os do governo vieram e levaram Pequena Árvore para uma
escola católica. Lá, ele foi espancado por ter dito que os animais da
ilustração estavam em época de acasalamento. Para a professora falar em
acasalamento era obceno. Enquanto apanhava até sangrar, pequena Árvore acionou
a segunda mente, para não sentir a dor. E toda noite, ele ia até a janela
conversar com as estrelas, pedir a elas que avisassem ao vovô que ele não
estava feliz e que queria muito voltar para casa, para as montanhas. As
estrelas fizeram o seu trabalho direitinho porque um dia que mais pareceu um
sonho foram buscar Pequena Árvore.
Publicado pela Record, é um livro comovedor, de leitura indispensável.
Pena que o menino da capa não se parece em nada com um indiozinho. E embora
esteja escrito na primeira capa que o livro é tão belo quanto O pequeno
Príncipe, ele é muito mais belo porque trata das grandezas e pequenezas
humanas, tão reais e tão próximas de cada um de nós.
Vovô e vovó já eram velhos quando foram buscar Pequena Árvore, quando
seus pais morreram. Por isso ele só pôde viver poucos anos com eles. É
comovente quando os dois se vão e ele ainda menino caminha sozinho em direção à
cidade, deixa as montanhas e segue sozinho pela vida. Essa história, que é real
foi escrita pelo menino que um dia foi Pequena Árvore. E há tanta sensibilidade
no modo como cada palvra foi grafada, que é impossível perceber como doeu nele
a dor da perda daqueles dois seres tão especiais. Não dá para não ler. Da Record
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