sábado, 6 de outubro de 2012

Cartas de um escritor


Quando admiramos um escritor é natural querer conhecê-lo, tê-lo por perto não uma, mas várias vezes, tornar-se amigo dele,beber da sua experiência, saber de suas leituras preferidas e por que considera este ou aquele livro uma obra ímpar.Se é o que sente por Mario Vargas Llosa, ou não tenha lido nada dele, mas deseja saber o que ele tem a dizer a quem deseja tornar-se escritor, dedique algumas horas do seu tempo à leitura desse pequeno livrinho ( Cartas a um jovem escritor).

Escrito no formato epistolar,cujo objetivo é orientar quem deseja tornar-se escritor ou escritora, é um achado também para quem ama ou ensina literatura no ensino médio e mesmo na graduação e quer saber o que há por trás de um Dom Quixote, de um Madame Bovary, de O sol também se levanta, os contos de Cortázar, Moby Dick e tantas outras obras, que o autor vai citando ao longo das cartas que escreve, imagino, a um amigo fictício que lhe pede conselhos sobre escrita literária. Em tom coloquial e explicitamente pedagógico, é um deleite para quem lê, senti-me como uma bisbilhoteira ao ler cartas que não me foram endereçadas, mas que tanto contribuiram para abrir meus olhos quanto aos recursos ou técnicas tais como o ponto de vista do narrador,  do espaço,  do nível de realidade,as omissões intencionais e seus efeitos nas narrativas,e outros recursos de que se valem os bons escritores. Cheguei a sentir repulsa pelas definições tão pobres a que tive acesso quando aluna do ensino médio e do curso de Letras. As informações constantes nesse livro são apaixonantes, deu vontade de largar o livro por diversas vezes para sair à caça dos livros de Faulkner, dos contos de Hemingway, Orlando de Woolf, textos que não li e que ao serem citados como exemplificação deste ou daquele recurso tratados em cada carta, fez-me querer lê-los.

Talvez seja porque ele seja uma apaixonado pela literatura, talvez seja porque é um exímio professor de literatura, seja o que for, o livro vale por um curso de teoria literária. Imperdível.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

O Gildo que eu namorei era mais bonito...

A segunda A é de arrepiar. A rima não é proposital, é fruto da verdade minha. Última aula de quinta-feira, numa biblioteca abafada. Eles chegam falando alto, J. já vem com os braços estendidos, querendo mexer no interruptor de luz e nos deixar às escuras. F. rola pelo chão. J. P. entra correndo. E eu digo a eles que vou me transformar em bruxa. Eles me olham com uns olhos muito abertos e brilhantes. Toda aula tenho de retomar os combinados, toda aula coloco música clássica ou new age por uns cinco minutos, com a luz apagada. Para que eles se aquietem, para que eu respire. Contar histórias ou ler em voz alta para eles é um desafio. Uma vez levei balas. Pensei: " Enquanto mastigam eu leio." Nem sombra. As balas sumiram nem bem descascadas. E levar a leitura do livro Porcolino e mamãe até o fim foi uma verdadeira saga. Teve quem dissesse: " Toda hora ele fala isso!" para quando eu lia "Mamãe!"( era o porquinho chamando pela mãe e se recusando a  brincar com as outras famílias de animais).

Hoje, meninas da quarta-série foram falar de suas leituras para eles, então eu só pensava em como mantê-los quietos durante a apresentação delas. Mas eis que um dos garotinhos da turma me chega com o livro Gildo, que ele ganhou na sacolinha ( Minha Biblioteca) e me diz: Lê pra nós?"

Que fazer? Apaguei a luz. Iluminei o livro com a lanterna, mudei a entonação de voz aqui e ali, ora baixo, ora alto, fiz a voz do Gildo, fiz gracejos ( "Eu namorei um rapaz chamado Gildo, mas ele era mais bonito que esse do livro" ou "O pai dele é mais bonitinho, olha a gravata dele, parece ser inteligente com esses óculos"ou "Olha aqui, é uma sala de aula, umas crianças tão feinhas, parecem vocês) Uns riram, outros torceram o nariz, outros ainda vieram tocar o livro: "Deixa eu ver", "Lê o que está escrito no balão" As crianças são verdadeiramente umas criaturinhas muito interessantes. Mas quase nos põem loucos quando andam em bandos.


O livro do Gildo é uma graça. Ele é um elefante que tem medo de bexigas. Os temores das crianças tratado com delicadeza e humor. E com letra bastão, para que os filhotes de gente possam ler sozinhos.

Trolls go home!


Que relação pode haver entre um infantojuvenil sobre trolls e um conto de Kafka? Você que me lê pode achar pouco provável, já que os contos dele costumam ser densos,tão naturalmente capazes de revelar nossas feridas ou inquietações mais insuspeitas, incrustadas lá no fundo dos nossos subconscientes, que vez por outra fisga sem que a gente saiba nomear a dor( essa ojeriza pelo que nos difere).Impossível continuar impassível depois da leitura de qualquer um dos seus textos, mesmo os mais pequeninos contos, que me soam fantásticos não por descortinar o natural em nossas vidas, mas as forças internas e externas quanto às quais, na maioria das vezes,nada podemos, e que invariavelmente nos põem a perder.

Trolls na vizinhança é permeado por um humor leve e irônico, que resulta justamente da naturalidade com que os comportamentos dos personagens são descritos. Uma família de trolls sofre horrores ao tentar se adaptar  à civilidade: morar em casas, vestir roupas, comer comida enlatada, comprar em supermercados, frequentar escola,não poder urrar no metrô, ter que habitar em local livre de cheiros e lama... o garoto parece ser o que mais sofre, na escola.Há a inversão dos papéis - os trolls é que são as vítimas, embora os humanos se vejam o tempo todo ou incomodados ou ameaçados pela sua presença em nada ofensiva, a não ser pelos seus hábitos e aparência. Esse enredo não o faz lembrar da situação dos imigrantes nos países da zona do euro? Poi é... foi esta temática que me avivou na mente o Comunidade, conto kafkaniano no qual um estranho faz de tudo para ser aceito num grupo de cinco companheiros, sem sucesso.

Trolls na vizinhança, publicado pela Farol ( grupo DCL)e escrito por Alan MacDonald terá final diverso do que estamos acostumados a ver nas páginas da História e do conto de Kafka? Você terá de ler para descobrir. Ideal para crianças a partir dos 9,10 anos, que costumam fugir de livros de mais de 124 páginas, mas que, se tiverem pais ou mestres interessados em iniciá-los na aventura da leitura de textos inteligentes terão uma rica experiência.

O título, se traduzido do original, seria Trolls, vão para casa! O que já daria uma ideia de como estes seriam recebidos. O título da edição brasileira é ambiguo e acho que perde um pouco da força... Fiquei desapontada por não encontrar nem uma nota breve sobre o autor e confesso tê-lo confundido com outro escritor de mesmo sobrenome. Quem é ele, onde vive, por que escreve, como surgiu a ideia da escrita do livro( que sei fazer parte de uma série, vi um outro chamado Torta de bode nas sacolinhas Minha Biblioteca, distribuídas para os estudantes do ensino fundamental). Acho interessante saber um pouco que seja sobre a pessoa por trás do livro. Terei de pesquisar na internet. Mesmo aqui, no Skoob, não vi resenhas dele,o que é uma pena.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Por que a formação de leitores é uma questão pública



Da leitura do Livro Os jovens e a leitura

A leitura desse livro, a mais rápida deste ano, (fi-la em três dias, não porque não seja boa leitora, mas porque ando muito atarefada escrevendo projetos), foi bastante impactante, porque me ajudou a ressignificar meu papel na sala de leitura em que trabalho. A busca pela identidade desse fazer e desse espaço, qual a importância dele nas vidas dos que o frequentam, o questionamento das metodologias empregadas, essas algumas das questões que foram brotando enquanto lia as conferências nele constantes. 

O tom de relato, os depoimentos dos jovens, a descrição das bibliotecas e mediatecas na França ( que tive o prazer de visitar quando ainda graduanda em Letras) me foram como um despertar de consciência, perceber como as sl e as escolas em que estão inseridas passam ao largo do papel da leitura e do livro na vida das crianças e jovens, principalmente daqueles espaços educativos das periferias. Fiquei tão impactada que já efetuei algumas mudanças em minhas práticas, também mudei meu olhar para com os meninos de sétima série que se recusam a ler ( um dos capítulos é justamente sobre o medo de ler, muito esclarecedor). Estou empenhada em achar caminhos, apesar da clareza que tenho que o formato do atendimento - em massa, cada professor recebe 24 salas por semana e inevitavelmente acaba dando aulas de leitura e não propriamente formando leitores, seja pelo grande número de crianças, jovens e séries que atende- eu por exemplo tenho primeiras, segundas, terceiras, quartas e sétimas - além da manutenção do espaço, tombamento de livros etc.,seja pelas concepções de ensino de leitura e de trabalho com literatura, que ainda impregnam nosso imaginário, são obstáculos relevantes.

Livro imperdível para quem ama livros, bibliotecas,jovens e trabalha com eles.


quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Se você tem medo de cobra, resenha sobre livro infantil


As crianças sentem um misto de medo e de atração irresistível por esse livro, uma bela narrativa africana trazida até nós pelo Rogério Andrade Barbosa, que por ter ido trabalhar na África como voluntário acabou bebendo da fonte riquíssima e inesgotável das narrativas africanas.
O velho sábio da aldeia está à morte. Todos os esforços para curá-lo foram em vão. A comunidade se prepara para despedir-se dele. Mas o velho não quer ir ainda. Ele sabe que não precisa ir agora. Tem uma velha conhecida que pode curá-lo. O problema é que ela é uma cobra gigante, uma Píton centenária e assustadora, que fala a língua antiga e que mora numa longínqua caverna. Quem poderá ir buscá-la se o povo treme só de ouvir falar dela?
O velho pede então que sejam chamados os guerreiros da aldeia, os homens mais fortes e valentes. Os homens atendem ao chamado do velho e de posse de suas orientações, presentear a cobra curandeira com bebida fermentada de milho e cantar o canto sagrado na entrada da caverna (que o velho os ensina momentos antes de partirem) vão em busca da cura. Atravessam o terreno da aldeia, atravessam os campos cultivados, atravessam a floresta, atravessam o rio infestado de crocodilos. Passam sob as quedas dágua, sobem a montanha e finalmente chegam à entrada da caverna, morada da Píton. Ela, que dormia, é acordada pelo canto dos homens: Nyangara Chena, Nyangara Chena. O primeiro do grupo tem nas mãos um vaso cheio da bebida preferida da serpente.
Mas, quando a víbora abre seus olhos, quando estes começam a brilhar em meio a escuridão da caverna, quando a imensa cabeça coberta de escamas da cobra se levanta e sua língua bipartida começa a ensaiar uma dança no ar, nem o mais bravo homem se mantém de pé. Descem a montanha aterrorizados. E a cobra volta a dormir.
De volta a aldeia, os homens admitem envergonhados que vencidos pelo medo não puderam trazer consigo a cobra. E o chefe moribundo dá adeus à vida.
É nesse ponto da narrativa que o papel de destaque é dado às crianças, e que justamente aquelas qualidades que os adultos mais costumam lastimar nelas se tornam as virtudes delas: de curiosas que são tinham ouvido toda a conversa do velho com os guerreiros, então sabiam o que deviam levar, o que deviam cantar, por onde deviam seguir.
Pedem permissão ao velho e saem em busca da cobra. O ponto alto da narrativa é quando ao chegarem à caverna, sentem todo o medo que é possível sentir diante de uma cobra gigante, falante, que os enumera em língua antiga para em seguida subir em suas costas. E é com medo que as vinte crianças descem a montanha e fazem todo o percurso de volta com a cobra nas costas, lambendo a bebida saborosa, porque sabem que se falharem o chefe da aldeia morrerá... São 20 crianças a atravessarem o terreiro, observados pelos moradores aterrorizados. A cobra como é que cura? Lambendo o chefe. (Neste ponto as crianças que ouvem a narrativa ficam enojadas). Após a última lambida, ela desliza pelo chão em direção aos campos. Como recompensa as crianças recebem do chefe cheio de novo vigor um boi, com a expressa ordem de não dividi-lo com os guerreiros.
Excelente opção de leitura para as crianças já cansadas das tão batidas estórias ocidentais, os contos de fadas. Ou para aqueles meninos que pedem “livro de terror” ou para aqueles meninos que não gostam de ler. Depois de ouvir a leitura feita por um adulto é quase certo que pedirão o livro para lerem eles mesmos.

Vidas Secas, 1º dia


Por que foi mesmo que eu decidi reler esse livro? Porque está na lista dos vestibulares deste ano. Mas já fiz graduação... Por que, se já sei que a Baleia morre, se já sei que a pobre da mulher quase que não consegue articular uma palavra (e isso me irrita sobremaneira porque nós mulheres somos donas da palavra, difícil é fazer uma de nós se aquietar por um dia inteiro, que dirá por quase toda uma vida). Por que, se já sei que Fabiano de tão humilde não consegue se valer da palavra, nem essa arma ele tem, diante da ousadia do soldado. Para que reler esse livro se tão triste, tanta miséria, eu que já tinha reservado O senhor dos anéis pra ler, queria algo assim bem leve, bem fora desta realidade árida.... 

É que ando curiosa pra saber que novas impressões, que novas leituras farei desse livro, quase 22 anos depois. É que ouvi de uma dessas professoras poderosas da USP ou da PUC, numa entrevista na tevê, ela dizendo que costuma aconselhar seus estudantes a lerem Graciliano: "Vão ler Graciliano para aprender a escrever de maneira concisa" e eu quero aprender a escrever bem. O que eu queria mesmo era a sabedoria pelo viés da virtude, tenho pra mim que o virtuoso passa longe de tudo que é sofrimento. Mas e se ela passa pelo meio do fogo, e se for a chama ardente que forma o caráter? Se assim é, correr da raia está mais para covardia, e covardia é um vício. Ser virtuoso é ser capaz de passar pelo sofrimento nosso ou alheio, sem se perder nele. É esse meu desafio da semana, não sentir o coração apertado diante da dor alheia, pairar sobre ela, não friamente, mas solidariamente. Como isso? Aprendendo a escrever para bem agradar quem vier a me ler, e quem sabe, até o fim da semana fazer algo de valor em prol do outro (em destaque que é pra eu me lembrar de fazer...).

Vamos lá, então.









Meu exemplar de Vidas Secas, eu comprei baratinho no mês do meu aniversário, ano passado, por dois reais, num desses bazares beneficentes. Nem acreditei porque é raro encontrar um Graciliano, exigência de leitura nas escolas. O meu é da Record, 88ª edição, 2003. Novinho. E lindo.


Ótimo, não tem prefácio.  A gente já dá de cara com o primeiro capítulo, eu não gosto de ser influenciada pela leitura de algum professor ou especialista de literatura. Também não gosto que fiquem na minha frente se quero ver logo o que se passa. Nesse livro o que se tem é um posfácio. Graças a Deus.


Mudança

Estão em retirada. O sol a pino, com fome, há horas que não veem uma sombra. A mãe tem um baú na cabeça e um filho enganchado na cintura. Como é caminhar horas sob o sol e com fome? Como não desmaiaram? O outro menino senta no chão e começa a chorar. Está na cara que é assim que as crianças expressam sua frustração, chorando. Nós adultos ficamos irritados. O pai bate no menino, pensa até em largá-lo por aquele fim de nada. Mas ao tocá-lo no pulso sente-o frio e se condói do filho. Para alguns bastam a visão de uma cena, seja presencial ou virtual, para sentir o coração derreter, mas outros precisam de uma dose mais forte da realidade. Fabiano precisou do toque. Não só ele, muitos enrijecidos pelo excesso de gritos, comida e brinquedos e falta de colo, beijos e abraços. Outro dia no shopping com meus irmãos, vi um menininho de uns dois anos caminhando na frente dos pais. Ia com o rostinho lavado de lágrimas. Pai e mãe, grandes, gordos, caminhando em silêncio atrás. O que é isso, meu Deus, de pai e mãe economizarem em colo em beijo e abraço, de deixar um serzinho tão frágil caminhar com suas dores sozinho desde tão cedo? Depois vão querer proximidade, a mãe vai querer por a mão no ombro do filho e mele vai recuar, instintivamente. Sei bem como é. 

Cenas assim, não do shopping, mas do livro eu já vi em O quinze e em Fogo morto. Gente em retirada, pai espancando filho que destoa do seu protocolo... nada de novo sob o sol.

Foi tanta a fome que um dos da família teve que ser sacrificado na noite anterior: o papagaio. O olhar do narrador deixa pai e filho para se deter na cachorra. Baleia não tem memória de ter comido o amigo. O esquecimento desumaniza, é preciso lembrar pra honrar, é preciso lembrar para não cometer o mesmo erro. Espera, me ocorre agora algo melhor: mais que lembrar é preciso aprender com as experiências, lembrar e lembrar da coisa dorida sem ser capaz de pairar sobre ela numa atitude reflexiva só faz aumentar as feridas. O narrador fala da falta da gaiola sobre o baú e então se desloca para a noite anterior, para explicar como se deu o sacrifício. Sinhá Vitória sentada no chão quente foi dar com os pensamentos no passado, festas, novenas, vaquejadas, em ocasiões assim tem comida em abundância. Então, de supetão ou seja, de impulso, porque só assim se faz coisas como essa, que de sangue frio é mais difícil: a pobre da mulher dividindo a fome com os dois filhos. Mas mesmo no impulso a gente ainda arranja um jeito de justificar nossos atos, para ela ele inútil e mudo. Na miséria a serventia é mais à flor da pele. Quando de barriga cheia é maior a disposição de se admirar a beleza de um papagaio. Mas se a fome...





segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Quando o pai rouba a cena


Foi por ter lido Balzac e a costureirinha chinesa que cheguei a este ao qual agora resenho. Receosa no início, preocupada com a linguagem do autor e com a possibilidade de não ir até o fim da leitura, já que tão distantes no tempo eu e ele, qual não foi minha surpresa ao ver-me enredada no texto. Eu literalmente o devorei em vinte e quatro horas. Era início do meu período de férias e eu me revesei entre os afazeres da casa, os cuidados com o corpo e a leitura. Esse tempo, que eu costumo deixar esvair entre os bate-papos descomprometidos com os amigos e os passeios aleatórios, bem como os programas televisivos esvaziados de conteúdo, nos quais me deixo prender por não ter o que fazer ou por estar no tempo do não querer se comprometer com nada, dediquei-o a Balzac, a Eugenie e ao pai Grandet.  Não sei dizer por que, mas não notei os longos trechos descritivos que costumam atribuir a sua obra, se existem nesse livro eu não notei.
Quer dizer, notei sim, mas não com a carga negativa que se costuma atribuir aos romances com longos trechos descritivos. Balzac não descreve para preencher o espaço entre uma cena tensa e outra que tal, ele não descreve para alongar seus romances, fazê-los mais volumosos. Ou seja, a descrição construída por Balzac e também por Vitor Hugo não são trechos do livro que funcionem como adendos, adereços dos quais se pode abrir mão, pulando páginas em busca dos trechos propriamente narrativos, que o leitor identifica como os diálogos entre o s personagens. Para esses autores a descrição é constitutiva do texto, da estória. Abrir mão dela é abrir mão da compreensão do que há por trás da estória, dos seus sentidos, da suas intenções. A verdade é que me senti encantada com a caracterização do capitalista daquele tempo, das artimanhas para se dar bem em transações, dos sacrifícios a que submeteu a si mesmo e a filha, da completa ausência de outros valores que não o dinheiro. E a descrição, no caso desse romance, vem tão colada à ação, vem tão impregnada de realidade, é tão bem construída, que funciona como uma lente ou uma câmera que vai auxiliando o leitor a ‘ver’ as cenas, as pessoas, o tempo, os valores, os sentimentos, a atmosfera, os cheiros.
Verdade que há características do movimento literário conhecido como romantismo nesse texto e nesse sentido pode-se perceber a coerência entre texto e momento nele retratado, o da insurgência da burguesia, tempo de confluência e de confronto de valores, visões de mundo e de identidades. Uma obra prima.
 Se eu não tivesse lido Pai rico, pai pobre teria visto o pai Grandet apenas como uma pessoa má, quando na verdade o que se tem é um retrato da emergência da burguesia européia, que desprovida de um nome, de um título de nobreza, vale-se do trabalho árduo associado às transações financeiras. O contraste entre os valores de pai e filha, aquele obstinado e intransigente, aquela frágil e romântica, submissa aos mandos do pai (o que podia uma mulher num mundo gerido pelos homens foi uma questão a que poucas mulheres puderam, quiseram ou se empenharam em responder), condenada a uma vida solitária e resignada, embora não desistisse dos seus valores, francamente em decadência naqueles tempos, como a lealdade, a crença no amor, a prática da caridade, o desapego aos bens financeiros.
E ironia das ironias, nem por isso menos querida por seus leitores. É como se quem lesse sua estória desse conta de que, embora viva também num mundo gerido belo valor maior dos bens em detrimento dos princípios, percebe-se não só identificado com a heroína, na sua solidão frente aos costumes, na sua busca de refúgio na religiosidade, mas também, ao se ver refletido nela, se desse conta de que também pode e deve resistir, seja na  busca pela liberdade de escolha, seja no apego ainda mais feroz e comprometido com um ideal de mundo em que acredita.
Foi assim com a costureirinha. Ler Balzac fez dela uma mulher, dona de seu destino e não mais uma sombra colada á parede da proteção do pai, do namorado e do amigo. Na assunção de uma solidão corajosa ( quem teria coragem de descer sozinha a montanha a caminho de um centro urbano impregnado pelo autoritarismo da Revolução Comunista?), coragem baseada não no desconhecimento do que a aguardava, mas na certeza de querer um outro destino que não aquele que lhe ofereciam.
Eugenie Grandet e Balzac e a costureirinha chinesa. Leituras indispensáveis para toda mulher e moça. 

Dossiê coordenador pedagógico


Todos os artigos, entrevistas, colunas e reportagens da Nova Escola Gestão Escolar - Dossiê Coordenador Pedagógico de junho/julho de 2011 versam sobre o coordenador pedagógico, cuja origem recente da função nasceu da percepção dos responsáveis pelas políticas públicas de que a aprendizagem dos alunos depende diretamente da maneira como o professor ensina. A razão de ser desse cargo e desse profissional é dar condições para que os professores possam ensinar. Essas condições não são de caráter físico, administrativo ou material, mas de formação.
Para que essa edição viesse a público, a Fundação Victor Civita encomendou duas pesquisas à Fundação Carlos Chagas: A formação continuada de professores no Brasil: uma análise das modalidades e práticas – comandada pelas pesquisadoras Cláudia Davis, Marina Muniz Rossa Nunes e Patrícia Cristina Albieri de Almeida. E O coordenador pedagógico e a formação continuada de professores: intenções, tensões e contradições, liderada por Vera Maria Nigro de Souza Placco, Laurinda Ramalho de Almeida e Vera Lúcia Trevisan de Souza.
É esta que dá base à edição. Realizada entre 2010 e 2011, teve duas fases: a quantitativa, 400 coordenadores de 13 capitais brasileiras foram entrevistados por telefone; a qualitativa: entrevistas pessoais mais aprofundadas com 20 coordenadores das cinco regiões do país, os diretores das unidades de ensino onde estão locados e 40 professores.
Perfil – 90% dos coordenadores são mulheres, 88% deram aula na educação básica, 76% tem entre 36 e 55 anos. Embora jovens e experientes não têm identidade profissional definida.  Não têm claro a razão de ser da sua função na escola, nem segurança para realizar um bom trabalho. Atuam sem foco, abraçam afazeres que não são seus e atendem solicitações as mais diversas.
Desvio de função. Acompanham a entrada e a saída dos alunos diariamente, conferem se as classes estão organizadas e limpas, atendem telefonemas de pais e de outros que procuram a escola, assumem classes ao menos uma vez por semana.
Organizam excursões, horários, arquivos e escrevem atas.
Passam boa parte do seu horário recebendo, ouvindo e orientando alunos indisciplinados.
Supervisionam e até buscam soluções para os problemas de má conservação dos prédios.
Organizam festas, gincanas, confeccionam bandeiras, convites, cartazes.

Recolhem alimentos para famílias de alunos carentes, buscam organizações que assistem jovens viciados.
Gestão de equipe. São muitas as dúvidas desse profissional: como receber e enturmar o professor novato? Como legitimar seu papel de formador dos professores se até pouco estava na sala de aula? Como ajudar o professor que tem dificuldade em comunicar o conteúdo? Como lidar com a resistência de alguns professores a mudanças propostas? O que fazer com o professor que vive encaminhando alunos indisciplinados? Como enturmar um professor que tem dificuldade de relacionamento com os colegas? O que fazer para evitar a alta rotatividade de professores? O que fazer com o docente que falta muito? Como assistir às aulas sem parecer um fiscal? O que fazer do docente que só reclama?
Quando tenta formar. Mesmo quando tenta atuar como formador, age como fiscal do professor, porque em suas análises, somente aponta os erros daquele.
A formação do formador. Para ele quem deve formá-lo: Secretarias da Educação (1º), diretor (2º), especialistas ligados às Secretarias (3º), ele mesmo (4º) e as universidades (5º).
 Quem melhor que as Universidades, centros de pesquisa em permanente produção do conhecimento, para auxiliar na formação deles? Elas permanecem, as gestões e vontades políticas mudam a cada novo grupo no poder, principalmente na América latina. As Universidades têm função social, se convocadas contribuirão, porque é do ensino básico que saem seus futuros pesquisadores. Paulo Freire, quando à frente da Secretaria de Educação de São Paulo (1989-1991) pediu o auxilio de especialistas de instituições renomadas de ensino superior de nosso país e eles aceitaram participar da reforma democrática do currículo sem custos para os cofres públicos da cidade. Entendo que não vejam nas Universidades potenciais parceiros já que os cursos de pedagogia e de gestão escolar, em sua maioria, deixam muito a desejar.
A formação que as Secretarias oferecem a elas, é a mesma oferecida aos professores.
A lei também não ajuda. Foram lidas regulamentações de 5 Secretarias e, das 256 funções ligadas ao cargo, apenas 20% são explicitamente formativas.
Como toda boa pesquisa, caminhos e orientações são apontados. Não os cito devido ao espaço.
Senti em certas reportagens muita ênfase no trabalho pedagógico voltado para os índices do IDEB. Como se a função da escola fosse apenas esse. Em nenhum momento foram citados a gestão democrática do ensino, os princípios que a regem, que estão na Constituição.  Não foram citados a participação dos educandos e dos pais nas decisões tomadas na escola. A falta de identidade do coordenador não é o reflexo da falta de identidade de uma escola que insiste num modelo de educação e de gestão escolar não antenados com reivindicações que têm sido feitas desde a Escola Nova? A sociedade carece de uma escola que forme pessoas capazes de geri-la, de participar de suas questões. Então o ensino de matemática, de leitura, de ciências e outras disciplinas não pode fugir dessas questões.
Sem dúvida que o retrato desse profissional, que tem sim um papel relevante na escola e na formação do professor, traçado pela pesquisa e divulgado pela revista é de uma relevância sem par. Mas há outras questões de ensino. Ouso dizer que se não foram citadas é porque os coordenadores não têm clareza delas.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Jovens escritores

Também a convite, visitei a página de um jovem escritor. Ler trechos de sua obra me fez lembrar de As Crônicas de Nárnia, de História sem fim e dos Senhor dos anéis. É literatura fantástica que não fica devendo nada para livros como Aragon ou Como treinar seu dragão ou ainda Sete perguntas para um dragão. Acredito ser questão de tempo para que ele consiga um contrato com uma editora séria, pois o autor tem feito a lição de casa. tem um perfil no skoob e uma página no fecebook (facebook.com/maicksonet1). Fiquei tentada a incentivá-lo a participar de concursos literários, mas talvez ele já faça isso.

Jovens escritores

Recebi um convite do blog resenhasealgomais.blogspot.com.br. Comentar os posts era condição para participar de um sorteio de um livro com grande apelo entre os jovens. Topei participar. Não tanto pelo livro, mas porque entendo que se deve apoiar todo movimento que leve os jovens a ler. Assim como uma das edições da  Veja do ano passado, acredito que quem lê bestseller quando jovem tem grande probabilidade de vir a ler títulos mais complexos e ricos como os clássicos. Eu mesma, quando menina, devorava Bianca, Fascinação, fotonovelas. E hoje, exulto quando diante de um Saramago ou Balzac. Quando se é jovem se é meio romântico, adoramos as estórias carregadas de dor, amores impossíveis, mistério, magia, outros universos. `A medida que crescemos, vamos nos dando conta de que os universos não estão lá fora e sim em nosso interior, que viver é que é o grande mistério e que as emoções que trazemos em nós, oriundas das experiências vividas tranformam-nos em verdadeiros frankensteins, em verdedeiras feras, belas, duendes ou ogros. Para ela escrevi:

"Amei o convite. Adoraria ganhar o livro não para mim, mas para minhas adolescentes. Trabalho numa escola cuja biblioteca é quase que totalmente obtusa em relação ao que atrai a atenção dos jovens no que se refere a gostos literários. O governo federal e municipal compra títulos nem sempre atraentes àqueles pouco afeitos à pagina impressa. Por isso, os professores têm de ser criativos para conseguir com que esse ou aquele título seja levado para casa... O que nos salva é a disposição desses mesmos professores em ler o que chega para saber por onde fisgar os jovens. Não é que não saibamos do valor literário do acervo, mas temos consciência de que é preciso atrair o leitor, conhê-lo, conqusitar sua confiança e simpatia para poder lhe oferecer títulos e autores desconhecidos por eles.. Muitos dos escritores dos textos que fazem sucesso hoje foram ávidos leitores. E as doações, um verdadeiro oasis em meio a aparente monotonia das estantes.

Do que vi no blog, o que me despertou a curiosidade para ler e adquirir foi o livro de Jak London; é um dos autores que quero ler e saber do preço e lançamento me fez decidir por elegê-lo uma das leituras que quero realizar este ano.

beijos e grata.


















 fazer esse mês.

Beijo, gtara e boa sorte com o blog.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

O ensino de geometria no ensino fundamental, de Maria da Conceição F. R. Fonseca ( e outras)


São várias autoras, quatro Marias e uma Mônica. Todas mestres ou doutoras em Matemática, todas envolvidas com o ensino superior dessa ciência e com a formação permanente de professores dessa disciplina. Todas preocupadas com o espaço que a geometria tem ocupado nas práticas escolares, mais voltadas para o cálculo, relegando a geometria em último plano.
Esse livro, escrito a dez mãos, resulta de um processo de formação e tem vários propósitos: narrar a trajetória do Projeto de Formação Permanente em Geometria para professores do ensino fundamental I, o Pró-matemática, realizado entre os professores da rede estadual de Minas Gerais das séries iniciais, atuar como instrumento de estudo na formação inicial e permanente de professores do primeiro ciclo, atuar como material de leitura e formação e apoio daqueles que atuam nas equipes de formação de professores nas secretarias estaduais e municipais do país.
O livro é composto das mesmas três perguntas e consequentemente três etapas/ capítulos do trabalho da formação dos professores. As formadoras optaram por um modelo de formação que respeitasse os profissionais da educação, sua experiência, competências e saberes. Por isso não partiram de verdades prontas, antes foram construindo com os professores uma concepção de ensino de geometria amparado na reflexão mobilizada por uma postura investigativa, de todos os participantes. 
A primeira pergunta, que mobilizou a primeira parte do trabalho foi: O que se ensina de geometria? Para respondê-la, os professores, divididos em grupos, foram registrando em cartazes os tópicos em geometria por eles trabalhados nos quatro anos iniciais do fundamental I. Após a apresentação, discussão e defesa do porquê de se ensinar determinados tópicos. Na etapa seguinte, ainda da primeira fase, passaram a analisar o que dizem os PCNs no que se refere ao ensino da geometria. Nova discussão. Na terceira parte, analisaram diferentes livros didáticos trabalhados na rede: em que se assemelhavam em que se distanciavam do que é pedido pelo documento federal.  Também analisaram os anais do II Encontro Nacional de Ensino de Matemática. Neles, viram como a pesquisa sobre a geometria e o ensino dela, bem como a pesquisa sobre a informática como ferramenta para o ensino da matemática têm estado presentes nos meios acadêmicos, sem que, contudo, tais informações cheguem aos professores e à escola básica. Por último, retomaram suas listas iniciais e ao observá-las à luz dos novos saberes adquiridos, foram encontrando incoerências e lacunas no conteúdo e nas metodologias, não condizentes com as mais recentes tendências do ensino de matemática.
O segundo capítulo tratou da segunda pergunta: Quais os conhecimentos em geometria dos professores? Para tanto, as formadoras oportunizaram a discussão das figuras de linguagem portadoras de vocabulário matemático, pedindo aos professores que, também em grupos, discutissem os sentidos para os termos geométricos como círculo vicioso, triângulo amoroso, pessoa quadrada, sociedade piramidal, ver sob outro prisma, aparar as arestas, personagem plano, sair pela tangente. Nos momento de socialização coletiva dos significados dados pelos grupos, as formadoras atuaram ampliando os conceitos dos participantes: o círculo como uma curva fechada de pontos notáveis, porque todos possuem a mesma distância do centro; o triângulo é qualquer polígono de três lados e não apenas os isósceles e os eqüiláteros; pirâmides são sólidos geométricos e não apenas os monumentos egípcios; ver sob outro prisma implica também em ter uma visão distorcida da realidade e não apenas ver sob outro ponto etc.
Nesta segunda fase da formação, os professores foram instados a observar e registrar (desenho) a presença das figuras geométricas nos ambientes. Esse trabalho os fez perceber a dificuldade que enfrentaram ao desenhar, já que frutos de uma educação que pouco valor dá aos momentos de desenho. Neste momento, refletiram sobre o porquê do ensino da geometria, que visa, entre outros, a percepção espacial e estética (dimensão formativa) e a resolução de problemas – formais ou não- e o preparo para o trabalho (dimensão utilitária); refletiram também sobre o espaço que o desenho tem recebido na sala de aula.
Na terceira fase da formação, a pergunta mobilizadora foi: Por que se ensina geometria? Nesta etapa, os grupos de professores resolveram problemas relacionados a medidas e grandezas, problemas do cotidiano, como por exemplo, decidir se um espaço comporta uma piscina de 2000 litros ou duas de 1000 (aqui aprenderam a distinguir volume de capacidade), se a piscina retangular é preferível à redonda, tiveram de discutir qual a melhor opção: azulejar ou pintar com tinta impermeável as paredes de um banheiro. Essas questões tiveram por objetivo exemplificar como os saberes geométricos são necessários a todos, não importando as opções profissionais. Problematizaram o conceito comum entre eles, de que apenas os que se dirigirem a profissões que requeiram conhecimentos geométricos devam ter acesso ao seu ensino.
O livro e o trabalho nele relatado é uma valiosa contribuição para os professores do ensino fundamental I, que pouco ou nenhum contato tiveram com a geometria, seja pelo ensino que receberam quando criança ou jovens, seja por que fizeram Magistério ou Pedagogia, ambos voltadas para metodologias, legislação educacional, história da pedagogia e teorias sobre aprendizagem ou porque, as professoras, dedicadas ao alfabetizar das crianças, deixam a matemática em segundo plano.

domingo, 3 de junho de 2012

Como um romance, Daniel Pennac


Este é um livro escrito por um professor que aprendeu a amar os livros com outros professores, a despeito da incapacidade da escola de manter  o brilho natural que o texto literário possui. É fato que as práticas escolares esvaziam o texto de toda a sua magia e a capacidade de despertar nas crianças e jovens a curiosidade por ele. Tudo porque na escola ler se torna um dever, “Você tem que ler”, é a frase corrente entre professores da língua materna e dos pais, todos preocupados em fazer com que a infância e a juventude adquiram a bagagem cultural necessária ao sucesso neste mundo mais facilmente decifrável àquele que domina a linguagem escrita: saber ler é então fundamental para o desenvolvimento do cognitivo, do potencial criativo, da capacidade imaginativa e avaliativa( ou criticidade), da solução de problemas, para citar apenas alguns dos benefícios do contato íntimo, intenso e progressivo com a palavra escrita.
Mas todos esses argumentos não funcionam com a criança e o adolescente. Eles não estão preocupados com o futuro, o que os atrai na literatura é a capacidade que ela tem de fazer com que experienciem intensamente das emoções já conhecidas e outras insuspeitas a abrigadas em seus íntimos.  Crianças e jovens são mais emocionais que racionais. Adoram histórias, gostam de se projetar para mundos outros, gostam de se identificar com personagens possuidores de poderes diversos daqueles presentes no cotidiano. Não é à-toa que admiram o parente ou professor que difere dos seres humanos comuns... No entanto, professores e escola esquecem-se desses fatos e insistem no “têm que ler” e ao escolherem livros que pouco têm a ver com as características e gostos infantojuvenis, ao estabelecerem trabalhos, provas, fichas de leitura, acabam por colherem muito poucos leitores apaixonados pelo livro.
Essa é uma das teses que o professor e escritor Daniel Pennac defende em seu livro Como um romance. E porque sabe que há nos professores uma certa aversão por textos áridos, carregados de carga teórica e fria, tão próprios aos textos científicos, optou por um estilo de escrita muito próximo ao do literário, o que lhe conferiu não só coerência como também sucesso ao tratar da didática da leitura de textos literários em sala de aula.
Começa relatando um evento corrente em todos os lares e escolas ocidentais: pais e professores que no início da infância e escolarização da criança leem para elas, mas que, mal essas começam a decifrar a palavra escrita, deixam-nos à própria sorte com o livros, esquecidos das dificuldades e da lentidão presentes no domínio das palavras, frase e períodos, que possuem graus de dificuldade de compreensão devido à grafia, sentidos, contextos, vocabulários entre outros. Quando o pai, mãe ou a professora liam, dava-se por encanto a magia, oriundos dos tons de voz, expressões faciais, gestos... Então como num passe de mágica, mal iniciada a leitura, as cortinas do imaginário infantil se abriam e na tela da mente era possível vivenciar o medo, a tensão, a alegria a vitória dos personagens preferidos. Mas depois de algum tempo, a hora da estória na escola ou em casa são substituídos pela hora da lição. E a leitura deixa de ser encanto para ser obrigação. “Lê pra mim?“ “Não você já sabe ler”. Depois de algumas tentativas, repletas de gaguejos e tropeços, seguidos de cansaço e frustração, o livro é deixado de lado.
Com o jovem é quase o mesmo, diz o autor. Ele tem que ler tantas páginas até o dia tal para a prova do dia tal. Ele se tranca no quarto para ler. O livro tem muitas páginas e nenhuma ilustração. “Tenho que ler” Horas depois, só umas poucas páginas lidas, vem com o cansaço a constatação: “Não vou conseguir ler tudo isso a tempo.”
Como superar esse problema? Como cativar novos leitores? Para Daniel, é simples: basta ler para eles, não importa se criança ou jovens, ler para eles em voz alta, até que curiosos para saber quais os próximos eventos da trama peguem no livro e se enveredem por suas páginas, caminhem entre os livros sozinhos.
Para Daniel, a leitura é uma prática social que não se dá pela obrigação, mas pela necessidade, gosto ou curiosidade. E inseri-la na vida dos infantes e jovens por vieses que não esses é o mesmo que inviabilizar o surgimento de novos leitores. Sendo assim, a escolha do título a ser lido para eles é de vital importância. Escolher a dedo o que será lido, para que queiram o livro como quem quer água quando com sede. Acha isso impossível? Títulos como A bruxa Salomé, O Mago, o Horrível e o livro de feitiçaria, O Menino Maluquinho (para crianças), para citar apenas alguns ou Os pequenos guardiões, A hora da vingança, os diários, Comédias para se ler na escola (para jovens), costumam agradar em cheio.
Oferecer um livro ou a leitura dele como quem oferece um prato especial num almoço ou jantar de uma data especial a um candidato ilustre, essa a proposta de Como um romance. Mas numa escola projetada para as massas, que não considera a diversidade e a individualidade de cada ser que recebe, e que muitas vezes faz o mesmo com seus profissionais, é quase uma missão impossível. Só uns poucos bravos, a despeito de toda a engrenagem, cumprem-na.

Hugo Cabret


Ele não acreditou no que viu. Jovens do sétimo ano do fundamental II, com cerca de 13 anos, sentados lado a lado, gastando seus vinte minutos de intervalo lendo. Não, não são estudantes das escolas de elite de São Paulo, aquelas sempre bem colocadas nas avaliações externas promovidas pelo MEC, estados ou municípios brasileiros. São jovens de baixa renda, alguns tendo como casa um único cômodo.
Que livro teria feito essa revolução? Seu nome: A invenção de Hugo Cabret, de Brian Selznick, adquirido pelo Programa Apoio ao Saber, promovido pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, que tem como propósito distribuir livros de excelente qualidade aos jovens do ensino fundamental e Médio.
Há quem critique o Programa, argumentando que os jovens não sabem dar valor às obras selecionadas, compradas e distribuídas. Não é o caso desse livro, do seu autor e da editora, que apostaram num formato de obra inusitado. São 534 páginas em preto e branco, recheadas de ilustrações a lápis. Quanto tempo terá levado o autor para elaborar cada imagem, muitas delas em homenagem ao cinema e a seus inventores? Seja qual tenha sido o percurso percorrido pelos idealizadores do livro valeu a pena, pois nesta mesma escola as turmas não agraciadas com a obra foram reivindica-la com a coordenadora pedagógica. O que os encantou, as imagens ou o texto?
São muitas as razões que levam diferentes pessoas a lerem um mesmo livro. A sugestão de um amigo, o apelo publicitário, a curiosidade. O professor citado quis saber o que havia no livro para causar tamanho alvoroço e o pegou para ler. Uma outra professora, ao ouvi-lo falar do episódio procurou por um exemplar e quando viu quem o havia traduzido ficou ainda mais curiosa da obra, ela que é professora de língua portuguesa  e admiradora dos textos desse, que muito tem contribuído com seus livros e estudos, ao desmascarar o preconceito lingüístico, um dos trunfos dos que se mantêm no poder.
A estória de Hugo acontece na Paris de Victor Hugo, mas quase não há referência à beleza da cidade nem a seu grande homônimo. Tal como o personagem mais conhecido do mestre da escrita francesa, o menino Hugo vive entre muros e torres, não os de uma igreja, mas os de uma estação de trem. Ele mantém os relógios em funcionamento, o corcunda tocava os sinos... Hugo é órfão, do pai só lhe restou um autômato e o menino acredita que se conseguir fazer com que ele funcione, receberá uma última mensagem do pai. É difícil para o garoto estar sozinho no mundo. Ao roubar peças de uma loja de brinquedos, acaba por se envolver nos problemas de uma família que posteriormente o adotará.
O texto, que tem um certo suspense e ritmo, é quase que totalmente ofuscado pelas  ilustrações que fazem muito mais que ilustrar a narrativa. É difícil saber se foi proposital, já que texto e imagens estão intimamente relacionados, ora um ora outro levando a narrativa à frente. A descrição textual teria sido substituída pelas imagens? É quase certo que sim, pois o leitor não se dá ao trabalho de imaginar lugares e cenas, já que elas estão distribuídas pelas páginas do livro. É uma obra bonita de se ver, mas que não deixa impressões mais profundas no leitor, não para aqueles acostumados a textos que exigem mais de sua imaginação e intelecto. Mas esse livro não é para esses, é para os jovens, tão próximos da infância ainda e é bem sabido como as ilustrações encantam não apenas a crianças, mas a quase todos os que amam as imagens.

Sobre Fedro


Impossível encarar da mesma maneira a tarefa da escrita de um texto, a incumbência de proferir uma palestra ou ministrar aulas depois da leitura de Fedro, um dos discursos mais respeitados de Platão. Conhecido pela definição que traz do amor, é um verdadeiro manual de sobrevivência, de leitura imprescindível para todo jovem e adulto. Embora se trate de um texto argumentativo, que exige uma leitura mais atenta e o desenvolvimento de competências leitoras mais complexas, seu grau de dificuldade não impede que se eleja ao menos trechos para leitura e reflexão em sala de aula, pelas definições que traz não só do amor,mas também da arte da oratória e da escrita.
Sócrates, o orador do texto, tem a postura do homem honrado, que dá o devido valor e importância à elaboração do discurso, seja escrito ou falado. Após ouvir do jovem amigo a leitura de um discurso sobre o amor proferido num banquete por Lísias, um sofista, Sócrates conclui que não percebera nada que distinguisse aquele discurso de outros já proferidos por outros sofistas, superficiais e incapazes de contribuir para uma conceituação mais elaborada por parte dos ouvintes dos temas tratados. Para eles, os sofistas (assemelhados a alguns oradores, palestrantes, políticos e advogados de hoje em dia) não estavam interessados na verdade e sim na obtenção de favores, reconhecimento e riquezas, não hesitando em manipular as palavras e os argumentos em seu próprio favor.
Diante desse posicionamento, Fedro quer saber do amigo se este tinha a dizer algo superior ao dito por Lísias, para quem era preferível prestar favores ao não enamorado que ao enamorado.
É quando, após pedir pela assistência dos deuses, Sócrates inicia uma argumentação cuja estrutura é digna de atenção de todos os que aspiram ou necessitam aprender a escrever e proferir textos argumentativos. Primeiro aponta uma das falhas do discurso do sofista: não definiu o objeto do discurso, limitando por emitir uma opinião e repeti-las por várias vezes,
O que tornou o texto redundante. Pra Sócrates, faltou a definição do tema, no caso o amor. Começa então por dizer que o amor é desejo pelo belo. Mas como os não enamorados também desejam, surge o problema: como saber se o que se sente ou o que dizem sentir por você é amor?
Sócrates responde a questão situando o desejo existente em todo ser humano em dois impulsos: o desejo inato e o desejo guiado pela opinião que visa o que é melhor,ou seja, a temperança e a intemperança.
Quem ama filtra seus desejos, doma seus instintos, é capaz de se afastar se perceber o que sente corrompe a si e ao ser amado. Esse amor não é egoísta nem possessivo. É o amor ideal, já que não visa apenas o seu interesse, nem vê o outro como um objeto que lhe pertença.
É interessante notar como Sócrates retoma o mesmo argumento valendo-se desta vez da alegoria da carroça. Nela, a alma é dividida em três aspectos: o cocheiro, e dois cavalos alados, um é belo e bom, o outro é de raça ruim, sendo assim, conduzir nosso carro (a vida) é ofício difícil e penoso. A alma participa do divino, mas um dos cavalos se arremessa para baixo... É o que seria esse baixo? O sexo pelo sexo e suas conseqüências, a glutonaria, o alcoolismo, a ira, a falta de princípios e suas consequências para a sociedade.
Quem lê Fedro percebe de que se trata o amor platônico: é capaz de prescindir do sexo, é capaz de abrir mão da união como amado se concluir que essa não lhe convém. É um amor comedido, regulado pelo autocontrole, não é impulsivo nem inconseqüente, nem se perde em meio ao calor da atração.
Quantos são capazes de tal amor? Para se amar assim, somente quem capaz de ficar sozinho, se está na relação é para partilhar, não visa o proveito próprio.
              A origem da escrita e o questionamento dos seus reais benefícios para a memória, a necessidade da apreensão da verdade para só depois se dedicar ao discurso,  também são tratados no discurso. E sendo a verdade um dos temas centrais da filosofia, quem pouco dela sabe, se levarmos em consideração o que diz Sócrates, pouco serviço presta a quem o lê ou escuta. Nos dias de hoje, qual a pertinência da filosofia. Para Platão, toda possível.
Imprescindível para quem quer saber o que ´pe o amor, para quem quer aprender a escrever, para quem quer aprender a pensar. Da Martin Claret

sobre Quando Nietzsche chorou


A receita do doutor Irvin D. Yalom funciona.  Pelo menos nos dois romances biográficos que escreveu: Quando Nietzsche chorou e A cura de Shopenhauer, ambos alcançaram ampla vendagem. São livros que funcionam por várias razões: a proposta de apresentar ao público dois filósofos cujas obras, de inegável valor pelo questionamento agudo do pensamento e dos modos de ser da sociedade da época em que viveram, são pouco lidos e conhecidos pelo público em leigo.
Outro motivo é o caráter terapêutico dos textos: em ambas as narrativas, na primeira o próprio Nietzsche e na segunda um especialista em Shopenhauer, passam por um processo de cura pelo diálogo. Ao longo das narrativas vamos conhecendo a intimidade, as fragilidades, as características do pensamento de cada um, os problemas com a família, a vida solitária, as polêmicas suscitadas pelas suas obras e posicionamentos.
A escrita de ambos é boa, mas a do primeiro é apaixonante, enreda o leitor até as últimas páginas. O doutor Irvin conta com uma equipe de pesquisadores que o auxilia na escritura de seus livros, pesquisadores, estudantes, especialistas. Em quando Nietzsche chorou, ele apresenta uma ampla lista de colaboradores. É nteressante a escolha dos pacientes tratados nos livros. Em Quando Nietzsche... não é o filósofo, mas a única mulher  com quem ele cogitou estabelecer um relacionamento que procura o doutor Bauer, um do pais da psicanálise para pedir-lhe que trate de Nietzsche, a fim de cura-lo de uma depressão suicida.. A principio o médico reluta, mas acaba convencido, um pouco pela beleza da mulher, outro tanto pela singularidade do paciente.
É claro que Nietzsche se recusa a tratar-se, embora já tivesse passado por vários tratamentos. Suas justificativas fazem supor que ele tivesse acabado por aceitar sua condição de homem solitário, sábio, doente e pobre. Essa aceitação não é em nada a de um fraco, é a capacidade de se ver em plenitude, naquilo que o distingue entre os demais e naquilo que o nivela.
A incapacidade de relacionar-se, a hostilidade com que os acadêmicos e pensadores receberam as obras de Nietzsche e de Shopenhauer causaram neles profundas feridas. O primeiro chegou a ter crises de enxaqueca e apatia, que o abatiam por dias.
Quando Nietzsche chorou é recheado de diálogos entre o doutor Bauer e o filósofo, entre o doutor e Freud. São conversas de uma riqueza filosófica e ao mesmo tempo de uma fluidez e adequação (porque tratam das mesmas questões do homem comum: as escolhas, o amor, as ambições, a ética) que tornam o livro imprescindível para qualquer leitor.
Outro mérito do livro é a tese de que o terapeuta também se cura quando trata. Ele também tem seus demônios e como qualquer outro mortal precisa da relação com o outro. O terapeuta não está acima do paciente porque também humano, aquilo que o distingue dos demais, o conhecimento acumulado não lhe é suficiente para autocurar-se. O que se tem então é a troca: esse outro que o terapeuta auxilia a curar-se é espelho e referência com que o curador se vê. Se todos os terapeutas comungam com essa tese é algo a se saber Mas é com certeza uma das que o Doutor Irvin Yalom acalenta. E que compartilha com seus leitores. Há uma série na tevê paga Chamada Em terapia, na qual vemos como é árduo o ofício do terapeuta, sempre às voltas com as mais densas doenças da mente e da emoção, dele e de seus pacientes. Após cada episódio é impossível não suspirar por ele e pelos seus pacientes. Terá sido a criação dessa série influenciada pelo sucesso dos livros do doutor Irvin Yalom. É quase certo que sim.

O ensino da leitura e da escrita de textos jornalísticos


Como ensinar aos estudantes do ensino fundamental e Médio a escrever textos informativos?Uma boa estratégia é familiarizá-los com esse gênero textual, presente em jornais e revistas e familiarizar significa lê-los e reescrevê-los. Para quê? Pode não parecer, mas a leitura e a escrita de textos desse gênero preparam os estudantes para a pesquisa.
Os educadores costumam separar os estudantes em duas categorias: aqueles potencialmente destinados à carreira acadêmica e aqueles que precisam entrar no mercado de trabalho o quanto antes, seja por não se destacarem nos estudos, seja por questões econômicas.
O que passa despercebido aos educadores que assim classificam seus estudantes é que a pesquisa é  praticada cotidianamente. Pesquisamos quando vamos às compras (preço, qualidade, descontos). Pesquisamos quando procuramos emprego, quando escolhemos o que pedir no restaurante, para onde ir nas férias, como reequilibrar um orçamento que está no vermelho, com quem e quando ficar, namorar, casar... A pesquisa é um fazer profundamente humano e quanto maior nossa habilidade em realizá-la, maior sucesso teremos, não importando o caminho profissional  escolhido, pois quem sabe prever passos vive melhor, porque capaz de respeitar um orçamento, planejar para ter filhos, comprar uma casa, planejar a aposentadoria.
Nesse aspecto e tendo em foco as demandas dos novos tempos, é urgente ir desenvolvendo nos ensinantes as competências inerentes à pesquisa. E quais seriam elas? E em que medida podem ser detectadas nos textos jornalísticos?
Os profissionais que elaboram esses textos partem sempre de uma pergunta sobre um determinado tema, frequentemente digno de atenção, de relevância social. Não é este o mesmo procedimento de um pesquisador? Para respondê-la saem a campo, colhendo informações. Leem livros, artigos, visitam o local onde ocorreu o fato sobre o qual escreverão, entrevistam testemunhas, vítimas, investigadores, especialistas... E anotam, gravam, fotografam. Feita a coleta das informações passam a compará-las no que se assemelham e no que diferem, distinguem qual informação merece ser aprofundada, descartada, reformulada.
O texto final, elaborado pelo jornalista é sempre escrito com base no que ele descobriu sobre o assunto pesquisado. A diferença deste texto para o acadêmico, que é discursivo (ou seja defende uma ideia) é que aquele não demanda a mesma quantidade de  tempo e de recursos que este, já que têm finalidades diversas. O texto jornalístico informa, o texto argumentativo defende uma ideia, e no caso da monografia, dissertação ou tese, produz conhecimento novo. Mas é inegável o fato de que compartilham o mesmo percurso inicial (o da coleta de informações) e as etapas da feitura do texto.
Fazer saber aos ensinantes desta etapa da confecção do texto jornalístico, auxiliá-los na identificação de sua estrutura( título, primeiro parágrafo com informações gerais em torno do esquema o que, quem, onde, como, porque, quando e seu desenvolvimento nos parágrafos seguintes, sendo o último reservado à conclusão do texto) tem uma relevância ímpar no ensino da linguagem e suas tecnologias porque rica em conteúdos: além dos já citados, ambienta-os na leitura e confecção de textos em terceira pessoa, aproxima-os dos acontecimentos mais globais, referentes ao Brasil e ao Mundo: comportamento, economia, conflitos, tecnologia, cultura.
Um aspecto a ser destacado é como despertar o interesse das turmas para esses conteúdos. Um caminho possível é ir mapeando com eles, em conversas iniciais, quais os planos para o futuro, qual o papel da leitura, da escrita e da pesquisa na concretização desses planos, bem como quais fatos ou temas têm maior atratativo entre eles. Com essa informações em mãos é possível ir selecionando o que ler com eles, bem como quais relações entre os assuntos dos temas escolhidos e os que chamam a atenção deles. 

Este é um trabalho árduo, que exige, escuta ativa, pesquisa, planejamento e trabalho coletivo. E uma vez que a maioria das crianças e jovens em idade escolar estão nas mãos de professores que trabalham em jornadas de 40, 60 horas semanais em sala de aula, com pouco tempo para ler, refletir e planejar estratégias, é pouco provável que realizem um trabalho permanente junto  aos educandos tendo como foco o texto jornalístico. O que é uma pena. Uma lei federal recém-criada, que prevê, além do piso nacional, a destinação de um tempo fixo da jornada do trabalho do professor destinado ao preparo das aulas e ao estudo pode em muito ser benéfico, mas só se de fato esse tempo for utilizado de forma ética e responsável. Se não, a educação brasileira continuará na mesma, o que é inviável nesse tempo de ascensão dos países emergentes, dentre eles o Brasil. 

Perfil, do Zeca balero


No Cd a mesma proposta do seu CD de estréia Vó imbolá, no qual, como sugere o título, apresenta um trabalho que dialoga ou é fruto das mais diversas e ricas manifestações musicais presentes em nosso país: tem samba, tem erudição, tem rap, tem canções de amor, tem canções de protesto...
Mas se no primeiro a participação dos que com ele compartilham o seu jeito de conceber música é mais sutil, quase que uma segunda voz, só perceptível aos de ouvidos apurados pela experiência musical, o segundo tem a participação mais evidenciada. Zeca canta com Gall Costa, com Zeca Pagodinho, com Chico César, com Zé Ramalho, com Faces do Subúrbio e Rita Ribeiro.
É este o perfil do Zeca: jamais sozinho sempre acompanhado daqueles que, como ele, têm na música mais que fonte de renda, especo de expressão, de criação. E como resultado dessa comunhão de vozes, estilos e propostas têm-se quinze canções, cada uma com a sua beleza. Em Proibida pra mim a voz de um jovem que se vê ainda despojado da experiência e de conhecimento, mas cheio de coragem em face do desejado.
Em Vapor barato temos um eco de vozes a cantar o Brasil de ontem que protestava de modo cifrado porque clandestino e o de hoje que, livre da ditadura resgata na mesma canção, recentemente interpretada pelo Rappa, numa versão dançante, sua carga romântica. Gal, exilados, Zeca, Rappa, enamorados. A mesma canção, tantas vozes.
Em Babylon o hino aos prazeres em resposta ao vazio existencial ou financeiro por muitos compartilhado. Quantos o cantam sem ter consciência dos riscos por trás do hedonismo?
Piercing é polêmica porque questiona os novos sentidos para a dor, atribuídos a ela por quem não sabe do que realmente ela representa. “Tire o seu piercing do caminho que eu quero passar cm a minha dor” Para que o piercing, por que se ferir, se mutilar? Em que medida a ostentação dele – um contraste interessante com os dedos cheios de anéis do general de Vapor barato – confere status, beleza? O que é a dor? Qual o papel dela se tão presente na trajetória humana? Subjuga ou liberta? Ensina ou aleija? Ruína ou cinzas da fênix?
Piercing é também cheia de metáforas, característica dos ditos populares:

“O homem inventou a roda, Deus o freio;
O feio inventou a moda e toda moda amou o feio;
Satanás condecorado na tevê tem um programa;
Aqui vive-se à míngua, não tenho papas na língua;
Não trago Paris na alma, minha pátria é minha rima;
Eu perdi no paraíso, mas ganhei inteligência;
O presente não devolve o troco do passado;
Tome logo um engov pra curar sua ressaca da modernidade, matilha de cães raivosos.
Lugar de ser feliz não é supermercado;
Revólver que ninguém usa não dispara balas;
Pra chegar na minha cama tem que passar pela sala;
Todo mundo quer subir na vida
Se subir espere a descida
Se na hora H o elevador parar ... Sempre vai haver uma escada de serviço;
Tire o seu piercing do caminho que eu quero passar
Eu tenho a palavra certa pra doutor não reclamar;
Mente desperta que desperta a de quem o escuta. É esse o perfil do Zeca Baleiro. Criativo, crítico, fraterno. Face de muitas faces. Made in Bazil.





Educação na cidade, Paulo Freire



Não se pode dizer que se trate de um livro escrito por Paulo Freire, mas também não se pode dizer que não. É um livro-entrevista, como o de Telma Weisz (Diálogo entre o ensino e a aprendizagem). Mas há diferenças entre eles.  Ao defender, definir, exemplificar e desmistificar o método construtivista, Telma foi resgatando a essência do ensino, que é a interação dialética entre educador e educando, aquele numa posição privilegiada porque já sabe o que o outro precisa aprender, porque já sabe (ou deveria saber) como esse outro aprende e que é também aprendente, na medida em que precisa inteligir o que o outro já sabe, para bem propor intervenções que possibilitem o aprendizado deste outro. Outra diferença é que Telma foi entrevistada por uma só pessoa, uma entrevista longa que rendeu muito material a ser aproveitado quando lhe sugeriram a publicação de um livro. A pesquisadora participou ativamente da confecção do livro e contou com a colaboração d ex-alunas.
 Educação na cidade é um apanhado de entrevistas que o Mestre concedeu primeiro semestre da sua assunção da pasta da Secretaria de Educação da cidade de São Paulo. Tais entrevistas ( 10 ao todo) divididas no livro em duas partes parecem ter sido motivadas pelo inusitado da situação vivida pelos paulistanos, quando esses optaram em ter como prefeito uma mulher nordestina de esquerda, uma verdadeira revolução. A prefeita, por sua vez não hesitou em convidar para gerir a educação da cidade nada menos que Paulo Freire, o mais influente e aguerrido educador que o Brasil já teve, com dezenas de livros publicados, criador de um método de alfabetização, perseguido pelos militares, reconhecido internacionalmente... Quão capaz seria ele em efetivar seus princípios e propostas educacionais? É a esta questão que o livro vem resolver.
O que ele quis nos dois anos em que conduziu a educação da cidade foi mudar a cara da escola de São Paulo, vítima de défits quantitativo e qualitativo. Eram os anos 1989-1991 e havia um número significativo de crianças fora da escola, o currículo inadequado às características etárias, de classe e às necessidades dos que a freqüentavam, condições físicas  das escolas eram deploráveis:
“...50 escolas com teto caindo, pisos afundando, instalações elétricas provocando risco de morte, quinze mil conjuntos de carteiras escolares arrebentadas, um sem-número de escolas sem carteira escolar...”(p.23)
Os ideais, princípios e objetivos que emanam da Carta Magna recém-promulgada não haviam chegado à escola paulistana, princípios como a cidadania, a dignidade da pessoa humana; objetivos tais como a construção de uma sociedade justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza, da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais, a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, do direito à educação. Esses e outros pressupostos democráticos da gestão da polis, que tem por meta o desenvolvimento de todos como fundamento do desenvolvimento da nação não haviam ainda influenciado os modos de se fazer a educação na cidade.
Mesmo tendo por formação o Direito, não foi por este viés que Paulo Freire buscou reformular a escola e sua prática. Foi por meio da sedução dos educadores, proporcionando-lhes experiências democráticas como a participação na reformulação do currículo, o aumento salarial, a criação de um estatuto do magistério e do plano d carreira, a reforma e melhoria dos equipamentos e prédios escolares, a formação permanente do professor desde a base escolar, desde o seu lugar de ofício, tendo como ponto de partida a reflexão sobre a prática, para que educadores e educadoras fossem eles mesmos percebendo onde sua metodologia e conceito de educação viabilizavam ou obstaculizavam a efetivação do modelo democrático de escola e de país por muitos desejado, mas muito pouco conhecido nos modos de construí-lo.
Foi como gestor democrático e progressista que Paulo Freire se disponibilizou a dialogar com diretoras, coordenadoras, supervisoras, professoras, zeladores, merendeiras, alunos, famílias, lideranças populares. Porque sabia que a escola é espaço privilegiado para a formação cidadã na medida em que se abre e que compartilha o poder com educandos e comunidade, aceitando os riscos e desafios que esta postura mobiliza. Porque sabe que é seu papel ensinar a pensar certo através do ensino dos conteúdos.
E o que seria o ensinar a pensar certo? O ensino que ensina a pensar certo é aquele que, através dos conteúdos desoculta a razão de ser dos problemas sociais que afligem a cidade e o país. Uma educação que mereça ser chamada como tal ensina a liberdade, não a licenciosa e destrutiva, mas a do compromisso com a construção de um mundo melhor. E para poder escolher que tipo de presença no mundo o educando quer ser ele precisa saber em que mundo vive, qual sua grandeza e qual sua pequeneza. É neste aspecto que a escola, micro do macro que é a sociedade tem o dever de oferecer à criança, ao jovem e à comunidade  espaços coletivos de participação das decisões e das ações que contribuam para sua melhoria.
Há muito neste livro da pessoa, do profissional, do administrador que Paulo Freire foi. Um modelo para quem é gestor, para quem é brasileiro, para quem é educador.
Aqui, faz-se a opção de chamar a atenção do coordenador pedagógico da escola municipal de São Paulo. Até que ponto este tem sabido cultivar os ideais democráticos de educação na escola em que atua? Paulo Freire sabia a que vinha. O coordenador sabe? Paulo Freire tinha uma agenda para a educação da cidade, aquilo a que chama-se plano pedagógico, com princípios, diagnósticos, metas, ações, colaboradores. Tudo visando a mudança da cara da escola, nos moldes democráticos. Foi por isso que o Conselho de escola e o Grêmio estudantil receberam a devida atenção na gestão dele. Que atenção o coordenador pedagógico tem dado a esses institutos democráticos?
Paulo Freire sabia que a mudança da escola não se dá por decreto, mas por meio da valorização dos profissionais dela, seja pela melhoria das condições de trabalho e de salário, seja na promoção de uma formação permanente que o auxilie a superar a sensação de desvalor (todas as mazelas da Educação são atribuídas à suposta má formação do professor), da impotência frente aos desafios do ensinar, em grande medida oriundo da incapacidade do diretor e do coordenador em construir uma equipe com os seus docentes, em assumir como problema de todos o de um, porque o aluno ou a classe não é do professor, é da escola.
Pesquisas recentes vêm demonstrando que o coordenador pedagógico, líder dos docentes, não se vê como tal, não tem claro o seu papel e desperdiça tempo e energia realizando o que não é do seu ofício, que é cuidar da formação permanente dos professores. Em Educação na cidade, Paulo Freire tem muito a lhes ensinar.

  

Diálogo entre o ensino e a aprendizagem, Telma Weisz


Neste livro, Telma vai contando à entrevistadora como foi se delineando nela a professora reflexiva, profundamente engajada na construção de um modelo de ensino que leva em conta o saber dos excluídos, que enxerga neles sujeitos capazes de aprender, que busca conhecer e se aproximar dos saberes quanto a como o ser humano aprende e que delineia a partir desse posicionamento e desses saberes modos de ensinar, modos de intervir na escola. Esse livro, que resulta de extenso material gravado e de outros registros, bem como da colaboração de ex-alunas de Telma, tem sido referência em cursos de formação permanente e presença constante na bibliografia de concursos públicos para professores. É um livro que funciona muito bem como primeira leitura daqueles que estão ingressando nos cursos de Pedagogia, na Educação ou que queiram, por serem professores de redes de ensino que optaram pelo modelo sócio-interacionista de ensino, saber do que se trata esse modelo, seus pressupostos teóricos e políticos, e isso não por meio da leitura de textos técnicos, densos e frios, mas por meio de uma leitura que em muito se assemelha com uma conversa. Por que é esta a característica maior desse texto, cuja linguagem é tão viva, íntima e apaixonada quanto um bate-papo com um Mestre, justamente aquele que de tanto saber, adquiriu a humildade daqueles que têm prazer em servir, em compartilhar suas descobertas, sonhos e metas.
O que distingue essa professora que hoje dá formação a outras professoras é o olhar sensível. Ela percebeu aspectos do ensinar, da escola e do grupo que esta atende que para muitos outros profissionais da educação passam despercebidos, como:
·         As escolas deixam para professores iniciantes as classes compostas por crianças que mais precisam de intervenção especializada.
·         Os repetentes são os mais pobres ou de pele não clara.
·         Crianças que trabalham na rua vendendo doces são exímias ao realizarem cálculos mentais que envolvam o troco, mas não sabem resolver os problemas propostos pela escola. Esta por sua vez não busca criar nexos entre o saber dessas crianças e o saber por ela ensinado, taxando-as de incapazes de aprender.
·         As crianças que “demoram” para adquirir a compreensão de como se escreve já têm hipóteses sobre como esta se dá e escrevem de acordo com elas. Não é que não saibam escrever, elas não se apropriaram do modo padrão da escrita. Quando a escola diz ”ele não aprende” exime-se do seu compromisso de criar soluções para este problema que não é só da criança, é também dela.
Para melhor agir, para compreender como a criança aprende, a autora leu textos de Piaget em francês. Quantos professores se disporiam a tal?

Essa opção de ser vem da opção de não ser uma presença neutra no mundo, mas de ser um agente transformador dele. É sem dúvida um posicionamento político e ideológico oriundo da consciência da não adaptação nos modos de ser da sociedade e do mundo, e sim da transformação dele.
Mais que a natureza da linguagem, o que também distingue esse livro dos demais que tratam do mesmo tema é o fato d estabelecer com o leitor uma interlocução com quem está produzindo teoria a partir do cotidiano da sala de aula. Há nele a análise e a reflexão a partir da experiência observada e sala de aula. No capítulo um ela conta como deu início a sua trajetória de educadora. Do capítulo dois ao quatro ela conceitua o construtivismo e esclarece alguns equívocos sobre ele. Do capítulo cinco ao oito ela discorrre sobre tópicos tais como:
·         O porquê de não ser possível formular receitas prontas para serem aplicadas a quaisquer grupos de alunos (“a prática pedagógica é complexa e contextualizada”);
·         Para mudar é preciso reconstruir toda a prática a partir de um novo paradigma teórico;
·         A organização da tarefa garante a máxima circulação de informação possível (“o conhecimento avança quando o aprendiz enfrenta questões sobre as quais ainda não havia parado para pensar”);
·         O conteúdo trabalhado deve manter suas características de objeto sociocultural real (leitura e escrita de textos reais x escrita de redações sem destinatários reais que não o professor);
·         Quando corrigir, quando não corrigir , a correção informativa;
·         A avaliação da aprendizagem é também a avaliação do trabalho do professor ( o ensino deve ser planejado e replanejado em função  das aprendizagens conquistadas ou não);
·         Os que não vão bem devem receber ajuda pedagógica (as dificuldades precisam ser rapidamente detectadas para que as crianças sejam apoiadas, continuem progredindo e não desenvolvam bloqueios);
·         Formação permanente pressupõe estudo e reflexão contínuos;
·         Tematização do que ocorre na sala de aula;
·         Registro do trabalho por parte do professor (escrever para comunicar uma reflexão sobre o que se fez na prática profissional obriga a organizar as idéias, o que pressupõe documentos que em muito superam os diários de classe);
·         Por ser este um tempo de transformações cada vez mais radicais, por ser cada vez mais inviável os métodos de ensino que pressupõe o aprendizado como a aquisição de conhecimento ( quando o que se dá é a construção dele por parte do indivíduo que aprende), por ser o construtivismo um modelo de ensino baseado em pesquisas idôneas e das mais diversas áreas, entre outros é que se faz necessária  a leitura desse livro, pelo convite à inteligência ao novo.