(Dedico
Assembleia das Bruxas a todas as mulheres à frente do seu tempo.)
No alto de
uma montanha
banhada
pelo cheio da lua
quando o
orvalho banha a noite
e o
silêncio vela o sono de quem durante o dia semeou
lá,
onde nossos olhos não alcançam
chegam do
céu, da terra, do mar e do ar
bruxas de
todos os tipos
que se pode
imaginar
novas e
anciãs
humildes e
ricas
rabugentas
e alegres
e todas
misteriosas
sob seus
mantos negros
e quengos
encapuzados.
Capas,
mantos e vassouras
sobre
rochas e arbustos
tratem de
descansar,
que as
bruxas se reúnem
num círculo
exemplar
é a
Assembleia das Bruxas
deliberar
vão agora
ouçamos,
atentos, o que têm a falar.
De dentro
da roda,
uma bruxa
anciâ
dá um passo
à frente
e a sessão
iniciar.
Seu rosto
enrugado
inspira
respeito
em todas do
clã.
"Nós,
as guardiãs de tantos segredos,
as que
fazem surgir o amor, a alegria
aqui nos
reunimos para proclamar,
na mais
pura e ousada, franca rebeldia
que todos
escutem
queremos
alto bradar:
O dia
da bruxa começa a raiar!"
Erguendo o
cajado
que firme
sustenta,
o corpo
encurvado
pelo peso
dos anos,
a matriarca
prossegue:
" Nós
somos as bruxas de hoje e de outrora,
queremos
tomar o que é nosso sem demora.
Por que nos
confinam em céus sem luar?
No azul do
firmamento, sob o sol deslizar
entre pipas
e nuvens é nosso desejo.
E ai
de quem ouse nos cantos murmurar:
'Tanta
bruxa solta vai trazer azar!'
Gargalhar à
revelia é nosso direito,
brincar
entre as nuvens e formato lhes dar
e pelo
infinito dos céus farrear,
sem nenhum
obstáculo."
E bailando,
ensaiando seu grito guerreiro
todas as
feiticeiras começam a entoar :
"O dia
da bruxa já está a raiar!
Tremam
os que insistem em nos torturar!"
A bruxa-mãe
continua,
batendo
forte o cajado no chão:
" A
fogueira que surge dos nossos sussurros,
é porque
desejamos os pés aquecer.
Mas há
sempre quem queira nos difamar,
espalhando
entre o povo:
'Elas vão
nos assar!"
Enquanto
retorna ao seu lugar,
a bruxa do
chão faz o fogo brotar
e toda a
Assembleia passa a iluminar.
Uma mão se
ergue, tão pálida e fria!
Outro ser
mágico quer ter a palavra;
coberta de
negro, de puro cetim
a face é
triste, a pele macia,
é de fina
linhagem
dizem o
ouro do anel.
" Sou
bruxa da cidade,
minha pele
é lisa e bela.
Gosto do
luxo e da música;
aprecio aquarela.
O que
tem os meus chifres,
os olhos
vermelhos, o meu narigão
e uma voz
poderosa
que é feito
trovão?
Que
até faz tremer
o mais
intrépido varão?
De que
valem o poder
o perfume,
o vestido,
se até o
príncipe sapo desvia o olhar
se percebe
no baile, meu corpo bailar?"
E o coro
das bruxas passa a entoar:
"Nos
nobres salões, nossas saias rodar,
das festas
em castelos
nunca nos
fartar!
Mas de nada
adianta
nossa
empolgação,
pois o rei
sempre 'esquece' de nos convidar!"
A bruxa do
campo quer se curar
da dor que
a persegue da manhã ao anoitecer.
De vestido
rodado e botas pontudas,
folhas
perfumadas a enfeitar seus cabelos.
Suas
vestes, suas carnes, têm cheiro de alecrim;
traz nas
mãos um cálice que oferta à roda,
é nectar de
flores que a todas desperta!
E em
silêncio, e em alerta
ouvem a
bruxa:
"
Minha morada é uma cabana
junto a
prados e regatos.
Eu conheço
a língua do vento
e da
Natureza os mistérios,
seu poder
sem igual.
Não me
cansa atender
quem à
minha porta bater,
a quem lá
for buscar
um
chazinho, um conselho,
a mais rara
erva
sou capaz
de buscar
rochedos
e penhascos, atrevo-me a escalar,
entre
fendas me arrisco,
na escura
gruta vou depressa,
procurar
pela planta que pode curar
febres,
profundas feridas,
vermes no
ventre, a alta pressão.
Sei também
que a babosa trata queimaduras de radiação.
Mas se
estou entretida
nas manhãs
de inverno,
na estrada
a colher ervas para cozer
e passa por
mim
criança,
homem ou velho,
tratam de
se apressar
não me
dizem sequer um olá
um bom-dia,
ou até já..."
E o coro
das bruxas se anima a cantar:
"
Queremos nas feiras,
livres
circular!
Olhos frios
temerosos,
não ter que
enfrentar!"
E a bruxa
do campo encerra a denúncia
"Se
vou o mercado a fim de comprar
ervas
variadas, cascas, sementes
mulheres e
crianças começam a debandar
e o padre
aflito se põe a rezar"
E num coro
perfeito, elas continuam:
"Nós
podemos fazer todo o solo tremer,
podemos
transformar bicho, planta, lugar
e o fogo
gerar da mais úmida madeira.
Tal poder,
no entanto, nunca foi gratuito,
temos
antiga incumbência
de
servir, defender a Mãe- Natureza
do mais
torpe avaro
daquele que
explora, sem nenhuma vergonha
e enche
seus bolsos, espalhando desertos,
sem fazer
cerimônia!
Quase
ninguém percebe,
somos nós
quem semeia
cada planta
que brota
nos solos
machucados
pelos
passos humanos.
Somos as
operárias da amada Mãe-Terra;
guardamos
com zelo os segredos antigos
do amor, da
riqueza e da cura bem-vindos."
Salta de
dentro da roda
a bruxa
selvagem,
até entre
irmãs
é preciso
coragem,
pois essa
bruxona não é dada à etiqueta!
Tem peles
por vestes,
a mostrar
suas tetas...
"Sou
bruxa do mato,
gosto de
correr,
nas folhas
caídas,
meu corpo
envolver.
Eu sou
velha maga,
eu converso
com as flores
eu teço
com as aranhas,
e acompanho
o percurso
das
diligentes formigas,
dos seres
humanos, jamais inimiga.
Sou eu quem
celebra o retorno ao pó
dos
pequeninos que partem e que ninguém tem dó.
Não importa
o tamanho,
vida breve
ou extensa,
não há quem
não deixe
sua marca
impressa.
Da vida uma
lei,
ninguém
pode fugir:
todos
contribuem,
não há como
excluir!
Pra que a
vida na Terra
nunca deixe
de existir!
Mas saibam,
amigas, que livre não sou;
na
cachoeira nem sempre posso me banhar,
se
percebo ao longe o passo humano,
no mato
apresso a me embrenhar.
Não digam
que é cisma,
que sou
bicho do mato,
já senti
sobre a pele
de um
humano, o olhar assustado...
E houve um
dia
em que
ousei desfrutar
da cascata,
cristalinas águas apanhar;
porém foi
bem breve
o meu raro
prazer,
pois as
tochas luziram
tive que
correr!"
O coro das
feiticeiras reivindica forte:
"Chega
de exclusão, de xingamentos e de excomunhão!
Todo dia é
dia de bruxa!
Queremos
brincar sob o véu da chuva,
mesmo que a
seus olhos pareçamos corujas!
Sob o
Sol-rei sair em bandos ruidosos
e trôpegas
bailar, sem em gafes pensar!"
Uma bruxa
cinzenta pede agora a palavra,
ela já foi
alegre,
mas agora é
morta.
"Quando
querem carinho,
não hesitam
chamar
e nós,
prestativas
nos
apressamos a amar.
Juras de
eterno amor
declamam
sem pudor...
Mas é tudo
ilusão!
Pois se
avistam donzelas, lá se vão os galãs!
E nos deixam
sozinhas,
sem
respeito, esquecidas,
feito meias
puídas.
Os corações
feridos,
presas da
fria dor!
A solidão
quer vingar todas essas mazelas...
E há entre
nós
quem trate
de arquitetar
um plano
perverso, porém exemplar
que possa
aplacar
o que não
quer passar.
Mas
sempre há quem diga:
'Ora, que
bruxa vil!
Veja quanta
maldade!
Condenou
sem piedade
um casal
tão bonito!
União assim
nunca se viu!
Pôs a doce
menina
num repouso
infinito
e
confinou o marido
À espera,
aflito!'"
E o coro
das bruxas assanhado declama:
"
Somos tão sedentas de amor, de afeto
quanto
qualquer um,
rejeitamos
o veto.
O coração
busca amor, não importa o peito.
Da paixão,
do afeto,
não
abriremos mão.
E que venha
a lei
o bispo, o
Papa, o rei.
Não adianta
proibir
é o amor
que move o nosso ir."
Foi quando
se ouviu um forte estrondo;
É que a
bruxa-mãe quis pra si cada ouvido,
e com seu
cajado interrompe o alarido.
Atenta
ouvira a tudo calada
e sorvera
em silêncio cada palavra.
Com seu
discernimento aprendera a lição
e agora
tinha pronto o mais doce sermão.
"
Tendo ouvido a todas, no meu posto concentrada,
às muitas
queixas ao vento lançadas...
Vejo que
vivemos sempre a reclamar
e nada
fizemos para afirmar
a todo o
Universo como somos honradas.
Como podem
saber de nossa grandeza
se em
reclusão decidimos viver?
Que o nosso
poder unamos agora,
a fim de
que entendam,
da Vida
somos Filhas.
Uma grande
mágica gestemos, sem demora,
pra que
grande e pequeno
possa
compreender:
Somos
Filhas do Cosmos,
comunhão é
um dever!"
De fato surgiram
muitos raios de luz,
de cada
bruxinha, foi de onde saíram.
Foram
transcendendo as fontes humanas
e num globo
se unindo,
ganhando
espaço.
E foi se
expandindo, inundando o ar;
e foi se
espalhando,
buscando
cumprir
a tarefa
excelsa
que a
Assembleia exigiu.
Foi o sopro
da noite
e a
cadência do vento,
que viram o
evento
que narro
agora:
Afirmo que
o gato não pôde fugir
do feitiço
certeiro
que foi
transgredir
as Leis da
Natureza,
mas quanta
beleza!
O gato é
agora
mensageiro
veloz,
de botas e
colete, penas no chapéu,
elegante e
fiel,
transformou-se
em arauto
e se pôs a
caminho.
Tem nas
mãos pergaminho,
proclama a
mensagem,
a verdade
antiga
e agora
sabida:
Que as
Bruxas são seres com muito a dar!
O ratinho
ligeiro foi todo contente
levar as
boas novas a quem pôde ouvir.
O que ele
pregava
em cada
esquina?
Uma
mensagem escrita em letras garrafais:
'Irmã
Mulher, Irmão Homem,
por favor,
não se engane!
A beleza é
a ilusão
que o tempo
devora, tolo é quem a perseguir!"
À causa das
Bruxas, a águia que é livre,
também quis
servir;
lançou seu
crau-crau
soberano no
ar.
Seu
destino, saudar
esse grupo
valente,
forte,
competente.
Às Bruxas,
do céu deu seu "Olá!"
E vendo que
a nova o mundo ganhava,
a
Assembleia das Bruxas pôde enfim terminar.
E foram
tomando, cada uma o seu caminho,
Sabendo que
tinham feito jus à existência.
Já não mais
passivas frente ao desafio,
Guerreiras
vibrantes ninguém viu igual.
Já não mais
importava vencer ou perder,
a busca por
honra as fez florescer.
E quando o
Rei-Sol pôde enfim despertar,
viu que
havia com Ele outras luzes a brilhar.
E aos
quatro cantos se pôde notar
Bruxas
iluminadas pela coragem de existir,
que se
irmanavam na voz a repetir:
"O Dia
da Bruxa acabou de raiar!
Vejam que o
Rei-Sol vem nos coroar!
De hoje em
diante, cabeças erguidas,
também
temos nosso quinhão nesta vida!"