terça-feira, 3 de abril de 2012

assembleia das bruxas- poema narrativo



(Dedico Assembleia das Bruxas a todas as mulheres à frente do seu tempo.)

No alto de uma montanha
banhada pelo cheio da lua
quando o orvalho banha a noite
e o silêncio vela o sono de quem durante o dia semeou
lá,  onde nossos olhos não alcançam
chegam do céu, da terra, do mar e do ar
bruxas de todos os tipos
que se pode imaginar
novas e anciãs
humildes e ricas
rabugentas e alegres
e todas misteriosas
sob seus mantos negros
e quengos encapuzados.

Capas, mantos e vassouras
sobre rochas  e arbustos
tratem de descansar,
que as bruxas se reúnem
num círculo exemplar
é a Assembleia das Bruxas
deliberar vão agora
ouçamos, atentos, o que têm a falar.

De dentro da roda,
uma bruxa anciâ
dá um passo à frente
e a sessão iniciar.
Seu rosto enrugado
inspira respeito
em todas do clã.

"Nós, as guardiãs de tantos segredos,
as que fazem surgir o amor, a alegria
aqui nos reunimos para proclamar,
na mais pura e ousada, franca rebeldia
que todos escutem
queremos alto bradar:
O dia da bruxa começa a raiar!"

Erguendo o cajado
que firme sustenta,
o corpo encurvado
pelo peso dos anos,
a matriarca prossegue:

" Nós somos as bruxas de hoje e de outrora,
queremos tomar o que é nosso sem demora.
Por que nos confinam em céus sem luar?
No azul do firmamento, sob o sol deslizar
entre pipas e nuvens é nosso desejo.
E ai de quem ouse nos cantos murmurar:
'Tanta bruxa solta vai trazer azar!'
Gargalhar à revelia é nosso direito,
brincar entre as nuvens e formato lhes dar
e pelo infinito dos céus farrear,
sem nenhum  obstáculo."

E bailando, ensaiando seu grito guerreiro
todas as feiticeiras começam a entoar :
"O dia da bruxa já está a raiar!
Tremam os que insistem em nos torturar!"

A bruxa-mãe continua,
batendo forte o cajado no chão:
" A fogueira que surge dos nossos sussurros,
é porque desejamos os pés aquecer.
Mas há sempre quem queira nos difamar,
espalhando entre o povo:
'Elas vão nos assar!"

Enquanto retorna ao seu lugar,
a bruxa do chão faz o fogo brotar
e toda a Assembleia passa a iluminar.

Uma mão se ergue, tão pálida e fria!
Outro ser mágico quer ter a palavra;
coberta de negro, de puro cetim
a face é triste, a pele macia,
é de fina linhagem
dizem o ouro do anel.

" Sou bruxa da cidade,
minha pele é lisa e bela.
Gosto do luxo e da música;
aprecio aquarela.
O que tem os meus chifres,
os olhos vermelhos, o meu narigão
e uma voz poderosa
que é feito trovão?
Que até faz tremer
o mais intrépido varão?
De que valem o poder
o perfume, o vestido,
se até o príncipe sapo desvia o olhar
se percebe no baile, meu corpo  bailar?"

E o coro das bruxas passa a entoar:
"Nos nobres salões, nossas saias rodar,
das festas em castelos
nunca nos fartar!
Mas de nada adianta
nossa empolgação,
pois o rei sempre 'esquece' de nos convidar!"

A bruxa do campo quer se curar
da dor que a persegue da manhã ao anoitecer.
De vestido rodado e botas pontudas,
folhas perfumadas a enfeitar seus cabelos.
Suas vestes, suas carnes, têm cheiro de alecrim;
traz nas mãos um cálice que oferta à  roda,
é nectar de flores que a todas desperta!
E em silêncio, e em alerta
ouvem a bruxa:
" Minha morada é uma cabana
junto a prados e regatos.
Eu conheço a língua do vento
e da Natureza os mistérios,
seu poder sem igual.
Não me cansa atender
quem à minha porta bater,
a quem lá for buscar
um chazinho, um conselho,
a mais rara erva
sou capaz de buscar
rochedos e penhascos, atrevo-me a escalar,
entre fendas me arrisco,
na escura gruta vou depressa,
procurar pela planta que pode curar
febres, profundas feridas,
vermes no ventre, a alta pressão.
Sei também que a babosa trata queimaduras de radiação.
Mas se estou entretida
nas manhãs de inverno,
na estrada a colher ervas para cozer
e passa por mim
criança, homem ou velho,
tratam de se apressar
não me dizem sequer um olá
um bom-dia, ou até já..."

E o coro das bruxas se anima a cantar:
" Queremos nas feiras,
livres circular!
Olhos frios temerosos,
não ter que enfrentar!"

E a bruxa do campo encerra  a denúncia
"Se vou o mercado a fim de comprar
ervas variadas, cascas, sementes
mulheres e crianças começam a debandar
e o padre aflito se põe a rezar"

E num coro perfeito, elas continuam:
"Nós podemos fazer todo o solo tremer,
podemos transformar bicho, planta, lugar
e o fogo gerar da mais úmida madeira.
Tal poder, no entanto, nunca foi gratuito,
temos antiga incumbência
de servir, defender a Mãe- Natureza
do mais torpe avaro
daquele que explora, sem nenhuma vergonha
e enche seus bolsos, espalhando desertos,
sem fazer cerimônia!
Quase ninguém percebe,
somos nós quem semeia
cada planta que brota
nos solos machucados
pelos passos humanos.
Somos as operárias da amada Mãe-Terra;
guardamos com zelo os segredos antigos
do amor, da riqueza e da cura bem-vindos."

Salta de dentro da roda
a bruxa selvagem,
até entre irmãs
é preciso coragem,
pois essa bruxona não é dada à etiqueta!
Tem peles por vestes,
a mostrar suas tetas...
"Sou bruxa do mato,
gosto de correr,
nas folhas caídas,
meu corpo envolver.
Eu sou velha maga,
eu converso com as flores
eu teço com as aranhas,
e acompanho o percurso
das diligentes formigas,
dos seres humanos, jamais inimiga.
Sou eu quem celebra o retorno ao pó
dos pequeninos que partem e que ninguém tem dó.
Não importa o tamanho,
vida breve ou extensa,
não há quem não deixe
sua marca impressa.
Da vida uma lei,
ninguém pode fugir:
todos contribuem,
não há como excluir!
Pra que a vida na Terra
nunca deixe de existir!
Mas saibam, amigas, que livre não sou;
na cachoeira nem sempre posso me banhar,
se percebo ao longe o passo humano,
no mato apresso a me embrenhar.
Não digam que é cisma,
que sou bicho do mato,
já senti sobre a pele
de um humano, o olhar assustado...
E houve um dia
em que ousei desfrutar
da cascata, cristalinas águas apanhar;
porém foi bem breve
o meu raro prazer,
pois as tochas luziram
tive que correr!"

O coro das feiticeiras reivindica forte:
"Chega de exclusão, de xingamentos e de excomunhão!
Todo dia é dia de bruxa!
Queremos brincar sob o véu da chuva,
mesmo que a seus olhos pareçamos corujas!
Sob o Sol-rei sair em bandos ruidosos
e trôpegas bailar, sem em gafes pensar!"

Uma bruxa cinzenta pede agora a palavra,
ela já foi alegre,
mas agora é morta.
"Quando querem carinho,
não hesitam chamar
e nós, prestativas
nos apressamos a amar.
Juras de eterno amor
declamam sem pudor...
Mas é tudo ilusão!
Pois se avistam donzelas, lá se vão os galãs!
E nos deixam sozinhas,
sem respeito, esquecidas,
feito meias puídas.
Os corações feridos,
presas da fria dor!
A solidão quer vingar todas essas mazelas...
E há entre nós
quem trate de arquitetar
um plano perverso, porém exemplar
que possa aplacar
o que não quer passar.
Mas sempre há quem diga:
'Ora, que bruxa vil!
Veja quanta maldade!
Condenou sem piedade
um casal tão bonito!
União assim nunca se viu!
Pôs a doce menina
num repouso infinito
e confinou o marido
À espera, aflito!'"

E o coro das bruxas assanhado declama:
" Somos tão sedentas de amor, de afeto
quanto qualquer um,
rejeitamos o veto.
O coração busca amor, não importa o peito.
Da paixão, do afeto,
não abriremos mão.
E que venha a lei
o bispo, o Papa, o rei.
Não adianta proibir
é o amor que move o nosso ir."

Foi quando se ouviu um forte estrondo;
É que a bruxa-mãe quis pra si cada ouvido,
e com seu cajado interrompe o alarido.
Atenta ouvira a tudo calada
e sorvera em silêncio cada palavra.
Com seu discernimento aprendera a lição
e agora tinha pronto o mais doce sermão.

" Tendo ouvido a todas, no meu posto concentrada,
às muitas queixas ao vento lançadas...
Vejo que vivemos sempre a reclamar
e nada fizemos para afirmar
a todo o Universo como somos honradas.
Como podem saber de nossa grandeza
se em reclusão decidimos viver?
Que o nosso poder unamos agora,
a fim de que entendam,
da Vida somos Filhas.
Uma grande mágica gestemos, sem demora,
pra que grande e pequeno
possa compreender:
Somos Filhas do Cosmos,
comunhão é um dever!"

De fato surgiram muitos raios de luz,
de cada bruxinha, foi de onde saíram.
Foram transcendendo as fontes humanas
e num globo se unindo,
ganhando espaço.
E foi se expandindo, inundando o ar;
e foi se espalhando,
buscando cumprir
a tarefa excelsa
que a Assembleia exigiu.

Foi o sopro da noite
e a cadência do vento,
que viram o evento
que narro agora:

Afirmo que o gato não pôde fugir
do feitiço certeiro
que foi transgredir
as Leis da Natureza,
mas quanta beleza!
O gato é agora
mensageiro veloz,
de botas e colete, penas no chapéu,
elegante e fiel,
transformou-se em arauto
e se pôs a caminho.
Tem nas mãos pergaminho,
proclama a mensagem,
a verdade antiga
e agora sabida:
Que as Bruxas são seres com muito a dar!

O ratinho ligeiro foi todo contente
levar as boas novas a quem pôde ouvir.
O que ele pregava
em cada esquina?
Uma mensagem escrita em letras garrafais:
'Irmã Mulher, Irmão Homem,
por favor, não se engane!
A beleza é a ilusão
que o tempo devora, tolo é quem a perseguir!"

À causa das Bruxas, a águia que é livre,
também quis servir;
lançou seu crau-crau
soberano no ar.
Seu destino, saudar
esse grupo valente,
forte, competente.
Às Bruxas, do céu deu seu "Olá!"

E vendo que a nova o mundo ganhava,
a Assembleia das Bruxas pôde enfim terminar.
E foram tomando, cada uma o seu caminho,
Sabendo que tinham feito jus à existência.
Já não mais passivas frente ao desafio,
Guerreiras vibrantes ninguém viu igual.
Já não mais importava vencer ou perder,
a busca por honra as fez florescer.
E quando o Rei-Sol pôde enfim despertar,
viu que havia com Ele outras luzes a brilhar.
E aos quatro cantos se pôde notar
Bruxas iluminadas pela coragem de existir,
que se irmanavam na voz a repetir:
"O Dia da Bruxa acabou de raiar!
Vejam que o Rei-Sol vem nos coroar!
De hoje em diante, cabeças erguidas,
também temos nosso quinhão nesta vida!"










Nenhum comentário:

Postar um comentário