Ele sonhava em ter
um carro. Trabalhava numa fábrica de automóveis e via todo o processo
de produção de um carro; a montagem do motor, da carroceria, da pintura, do
estofamento. Cada carro pronto, cheirando a novo, que ele via ser levado
ao pátio da fábrica e depois transferidos às grandes carretas,
a fim de serem expostos nas concessionárias de autos, era mais
uma acha de lenha a alimentar o fogo do desejo em seu coração.
Como só ele
trabalhava em casa e tendo filhos para criar, começou a fazer horas extras,
para ganhar mais. Chegava em casa tarde, as crianças já dormindo, tinham como
sonhado o beijo noturno do pai. Por estar cansado, não tinha ânimo para
conversar , tampouco abraçá-la. Comia rapidamente e ia dormir. A esposa
reclamava a sua companhia, há quanto tempo não conversavam , brincavam,
namoravam. E as crianças? Quando fora a última vez que assistira um
desenho animado com o caçula ou saído para tomar um sorvete com as meninas?
Alertava-o da falta que fazia às crianças. O homem retrucava às queixas da
mulher. Que ela tivesse paciência por um pouco mais de tempo. Que pensasse no
conforto que teriam.
Após alguns meses,
ele chegou em casa com o carro dos seus sonhos. Dera uma boa entrada (
horas extras, férias, 13º) e parcelou o restante do valor do veículo em 36
suaves prestações.
As crianças fizeram
festa. Gritavam alegres enquanto corriam ao redor do carro, seguidas pelo
cachorro, que, como não poderia deixar de ser, fez xixi numa das rodas
traseiras ao primeiro descuido da família. Apesar da travessura, também
participou da primeira vez que deram uma volta no quarteirão.
A mulher acreditou
que novamente todos à mesa durante o jantar, as brincadeiras de pai e
filhos antes de dormir, o namoro tarde da noite, os passeios aos domingos.
Mas não. O marido
continuava a fazer horas extras, porque o carro reclamava cuidados. E aos
domingos, dedicava-se ao carro - lavar, secar e encerá-lo pela manhã - aos
amigos e à cerveja.. Quando ouvia da mulher a queixa já conhecida,
argumentava cansaço ou falta de tempo.
Quando percebeu que
pedia em vão pela companhia do marido, a mulher começou a planejar
passeios dominicais com as crianças. Deixava pronto o almoço do marido. Para
ela e as crianças, preparava sanduíches, bolos, tortas, sucos. Conheceram todos
os parques públicos da cidade. Os meninos, levavam pipas, bola; as meninas,
bonecas, gibis, brinquedos de casinha. Quando cansados dos brinquedos, rolavam
na grama, subiam em árvores, caçavam besouros. A mãe lia sob a copa das
árvores.
Foi num desses
passeios, que mãe e filhos conheceram um homem-criança. Empinava pipas com
os meninos; os pés descalços na grama fria. Fingia comer a comidinha que
as pequenas preparavam em suas panelinhas e não se importava em vigiar o sono
das bonecas. Sabia da vida dos autores dos livros que a mãe lia. E
passaram a se encontrar todos os domingos, sob as mesmas árvores.
Num domingo de sol,
os filhos maiores perceberam que o amigo e a mãe pouco conversaram, embora os
olhos de um postos no outro. Ao fim da tarde, não houve despedida, amigo,
mulher e filhos seguiram pelo mesmo caminho.
Na manhã do mesmo
dia, absorto com a limpeza do carro, o pai não dera pela falta do cachorro. E à
noite, quando o telefone tocou na sala, ele não ouviu, já que a
música que ouvia dentro do carro estava em alto volume.
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