(Quarta-feira à
noite. Duas pessoas estão sentadas na sala de sua casa, num dos bairros da zona
leste de São Paulo. Acabam de assistir ao longa Durval discos, uma produção
brasileira mostrada pela tevê Cultura por ocasião dos 458 anos da cidade.)
_ O que a mãe do Durval queria
era alguém pra amar...
_ Foi por
isso que ela fez feijão, raspou a poupança, comprou cavalo...
_ A ironia disso é que a história
é ambientada aqui em São
Paulo , uma cidade apinhada de gente!
_ E de
tantos carentes.
_ Se o Durval gritasse e
reclamasse menos e a abraçasse mais... Se o Durval tivesse tido filhos, netos a
quem ela pudesse amar...
_ O que
ele fez foi parar no tempo, aferrado a uma loja cheia de vinis empoeirados!
_ Se a mãe dele tivesse percebido
o vazio de sua existência, se o Durval tivesse percebido que as vidas sua e de
sua mãe estavam deteriorando como os discos e o velho sobrado em que moravam....
_ É
querer demais! Nesta cidade de ritmo vertiginoso quem consegue identificar os
demônios que gestam?
_ Ah, mas isso é porque não
sabemos nos auto-observar. Quando é que nos perguntamos: O que estou pensando?
O que estou sentindo? Onde isto me leva? É esta a vida que quero? Mas ela tão
simples! Ele é que devia ter notado!
- Isso
que você está a exigir deles se chama
filosofar. Não há nada mais eficaz que a consciência desperta para nos
preservar da loucura. Mas, ah, Deus do céu, há poucos que o saibam e menos
ainda quem saiba nos ensinar a sermos testemunhas de nós mesmos.
- As
crianças fazem isso! Já percebeu como perguntam sobre tudo?
_ De que
adianta, se os que as acompanham não sabem conduzi-las? Vão crescendo e parando
de perguntar. Os adultos querem que elas se calem e escutem, parem de
importunar.
- Que lástima!
_ Neste
aniversário de São Paulo quem ganhou presente foi aquele que, ao testemunhar a
insanidade do outro, seja este outro real ou fictício, deu-se conta da sua.
- E de que basta identificar
nossa loucura se não sabemos como nos curarmos dela?
- A
leitura das obras de Nietzsche e de Platão tem me ajudado a transcender a
minha. Ao menos por umas horas ou dias.
_ Não teria algo mais simples,
acessível a quem não é muito dado a leituras?
- A
religiosidade, a praia, a família, o amor, a filantropia, um sonho a realizar.
_ Pobre do Durval! Pior que
enlouquecer é ver quem amamos ser vencido pela loucura.
- Sem
dúvida. Vou pra cama. Você não vem?
- Vou depois. Quero passar em
revista o meu dia.
_ Boa
noite.
_ Pra você também.... Escuta,
você não teria...
- Um dos
livros de Platão? É pra já!
_ Não é difícil de ler, é?
_ Que
nada! Você vai se deleitar, é um diálogo sobre o amor.
_ Adoro esse tema!
(E os dois saem da sala)
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