sexta-feira, 6 de abril de 2012

DOIS PAULISTANOS SENTADOS CADA UM EM SUA POLTRONA - diálogo




 (Quarta-feira à noite. Duas pessoas estão sentadas na sala de sua casa, num dos bairros da zona leste de São Paulo. Acabam de assistir ao longa Durval discos, uma produção brasileira mostrada pela tevê Cultura por ocasião dos 458 anos da cidade.)

_ O que a mãe do Durval queria era alguém pra amar...

_ Foi por isso que ela fez feijão, raspou a poupança, comprou cavalo...

_ A ironia disso é que a história é ambientada aqui em São Paulo, uma cidade apinhada de gente!

_ E de tantos carentes.

_ Se o Durval gritasse e reclamasse menos e a abraçasse mais... Se o Durval tivesse tido filhos, netos a quem ela pudesse amar...

_ O que ele fez foi parar no tempo, aferrado a uma loja cheia de vinis empoeirados!

_ Se a mãe dele tivesse percebido o vazio de sua existência, se o Durval tivesse percebido que as vidas sua e de sua mãe estavam deteriorando como os discos e o velho sobrado em que moravam....

_ É querer demais! Nesta cidade de ritmo vertiginoso quem consegue identificar os demônios que gestam?

_ Ah, mas isso é porque não sabemos nos auto-observar. Quando é que nos perguntamos: O que estou pensando? O que estou sentindo? Onde isto me leva? É esta a vida que quero? Mas ela tão simples! Ele é que devia ter notado!

- Isso que você está a exigir deles  se chama filosofar. Não há nada mais eficaz que a consciência desperta para nos preservar da loucura. Mas, ah, Deus do céu, há poucos que o saibam e menos ainda quem saiba nos ensinar a sermos testemunhas de nós mesmos.

- As crianças fazem isso! Já percebeu como perguntam sobre tudo?

_ De que adianta, se os que as acompanham não sabem conduzi-las? Vão crescendo e parando de perguntar. Os adultos querem que elas se calem e escutem, parem de importunar.

- Que lástima!

_ Neste aniversário de São Paulo quem ganhou presente foi aquele que, ao testemunhar a insanidade do outro, seja este outro real ou fictício, deu-se conta da sua.

- E de que basta identificar nossa loucura se não sabemos como nos curarmos dela?

- A leitura das obras de Nietzsche e de Platão tem me ajudado a transcender a minha. Ao menos por umas horas ou dias.

_ Não teria algo mais simples, acessível a quem não é muito dado a leituras?

- A religiosidade, a praia, a família, o amor, a filantropia, um sonho a realizar.

_ Pobre do Durval! Pior que enlouquecer é ver quem amamos ser vencido pela loucura.

- Sem dúvida. Vou pra cama. Você não vem?

- Vou depois. Quero passar em revista o meu dia.

_ Boa noite.

_ Pra você também.... Escuta, você não teria...

- Um dos livros de Platão? É pra já!

_ Não é difícil de ler, é?

_ Que nada! Você vai se deleitar, é um diálogo sobre o amor.

_ Adoro esse tema!

(E os dois saem da sala)

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